Prescrição intercorrente e infrações aduaneiras: uma análise contextualizada

Foto Prescrição intercorrente e infrações aduaneiras: uma análise contextualizada

Recentemente, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão1 afirmando a aplicabilidade da prescrição intercorrente prevista na Lei nº 9.873/1999 para infrações aduaneiras, o que representa um marco importante no cenário jurídico brasileiro. Essa decisão, que segue precedentes estabelecidos pela 1ª Turma do STJ, alinha o tema entre as turmas do Tribunal com implicações significativas para a administração pública e para os contribuintes envolvidos em processos relacionados às penalidades aduaneiras.

No contexto aduaneiro, podemos considerar exemplos de infrações como as multas aplicadas quando do atraso na prestação de informação no sistema CE-Mercante – normalmente aplicada aos agentes de carga, ou, ainda multas por não cumprimento de regimes aduaneiros especiais ou sanções administrativas. Esses casos ilustram a variedade de infrações que podem ocorrer no direito aduaneiro e mostram a importância de se aplicar a prescrição intercorrente para tornar os processos administrativos mais eficientes e justos. 

A conexão do STJ com precedentes anteriores é fundamental para entender a aplicação prática da Lei nº 9.873/1999. Isto, pois a prescrição intercorrente está relacionada com a omissão da Administração Pública no processo administrativa e o § 1º do art. 1º da referida lei estabelece que isso se aplica a processos administrativos que permanecem paralisados por mais de três anos, pendentes de julgamento ou despacho. Tal previsão tem o objetivo de evitar a inércia da Administração Pública, que acaba prolongando excessivamente a duração dos processos, causando prejuízos aos contribuintes seja pela indefinição ou pelos custos atrelados ao processo. Contudo, é importante observar que o art. 5º da mesma lei exclui a prescrição intercorrente aos processos e procedimentos de natureza tributária. 

Esta separação entre matéria aduaneira e tributária tem sido utilizada como fundamento nas decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) última instância para julgamento de processos administrativos fiscais envolvendo questões tributárias e aduaneiras para justificar a não aplicação da prescrição intercorrente em processos administrativos fiscais, conforme evidenciado pela sua Súmula nº 11:

 “Súmula CARF nº 11: Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal. 

Este debate no CARF continua sendo um ponto de tensão, especialmente em relação à interpretação do art. 5º da Lei nº 9.873/1999 e da Súmula nº 11, visto que o Conselho normalmente afasta a aplicação da prescrição intercorrente, mesmo em casos que se discute o atraso na prestação de informações sobre a desconsolidação de carga (e deveria ser considerada como penalidade estritamente aduaneira).

Essa linha de raciocínio do CARF nos leva a crer que a melhor estratégia para os processos administrativos ainda é a judicialização. A principal controvérsia da aplicação (ou não) da prescrição intercorrente em processos administrativos sem movimentação reside na caracterização dos deveres aduaneiros típicos como obrigações acessórias dos tributos, o que implicaria a exclusão da prescrição. No entanto, a decisão do STF fortalece o entendimento de que a natureza jurídica do procedimento administrativo aduaneiro é determinada pelo direito material aplicado, e não pelo rito administrativo específico. 

Esta discussão, no entanto, não está apenas no CARF. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministra Regina Helena, da 1ª Turma, decidiu que a prescrição intercorrente pode ser aplicada às penalidades aduaneiras. No caso analisado (REsp 1.999.532/RJ), a Ministra destacou que a natureza das multas relacionadas ao não cumprimento de obrigações acessórias no âmbito aduaneiro tem característica administrativa, e não tributária. Dessa forma, as multas impostas por infrações aduaneiras não devem ser consideradas como vinculadas diretamente à arrecadação de tributos, mas sim como sanções administrativas para garantir o cumprimento das normas de controle aduaneiro. Essa interpretação abriu caminho para a aplicação da prescrição intercorrente em cenários como esse, ou seja, de infrações aduaneiras. 

Neste mesmo sentido, entendeu a 2ª Turma do STJ (REsp 1.942.072/RS) ao reafirmar a aplicabilidade da prescrição intercorrente às infrações aduaneiras, destacando a autonomia da relação jurídica aduaneira em relação à tributária. Este julgamento é crucial porque estabelece um precedente importante, indicando que a prescrição intercorrente deve abranger processos administrativos relacionados a penalidades aduaneiras, mesmo na ausência de uma conexão direta com a arrecadação tributária. A decisão confirma que a prescrição intercorrente não se limita apenas ao campo tributário, mas pode também se aplicar a questões de natureza administrativa. 

Assim, reforçou-se o entendimento de que os deveres aduaneiros, os quais se relacionam ao controle e à fiscalização das operações de comércio exterior, são distintos das obrigações tributárias e, portanto, estão sujeitos às regras de prescrição intercorrente estabelecidas pela Lei nº 9.873/1999. 

A decisão da 2ª Turma do STJ não apenas representa um avanço significativo para o direito aduaneiro, mas também oferece uma maior segurança jurídica para os contribuintes. Ao consolidar a aplicação da prescrição intercorrente no âmbito aduaneiro, a decisão assegura que a administração pública exerça seu poder de fiscalização dentro de prazos razoáveis, evitando a perpetuação de processos administrativos. 

Entendemos que essa mudança reflete a visão mais moderna e autônoma do direito aduaneiro, distinguindo claramente o controle aduaneiro da arrecadação tributária. 

Referida decisão indica a evolução da jurisprudência brasileira, promovendo maior estabilidade e previsibilidade para os envolvidos no comércio exterior. A aplicação da prescrição intercorrente no contexto das infrações aduaneiras representa a abordagem mais equilibrada e justa, alinhando-se com as necessidades contemporâneas da área e garantindo que os processos administrativos sejam conduzidos de maneira eficiente dentro dos limites razoáveis de tempo. 

Esta decisão é um reflexo positivo das mudanças e avanços no direito aduaneiro, contribuindo para uma administração pública mais eficaz e transparente ao mesmo tempo que permite ao contribuinte mais segurança jurídica e confiança de que os processos não poderão ser perpétuos, o que nos parece, inclusive, poder ser a oportunidade para o desenvolvimento de novo entendimento sobre o tema pelo próprio CARF. 

De forma prática, entendemos que os contribuintes que possuem processos administrativos relacionados a infrações aduaneiras paralisados por mais de três anos sem qualquer decisão ou despacho, encontram nas recentes decisões do STJ a alternativa para a extinção desses processos através da aplicação da prescrição intercorrente – que provavelmente dependerá de ação judicial. 

Além disso, entendemos que o posicionamento do STJ permite que analisar a possibilidade de recuperação retroativa dos valores pagos por multas aduaneiras nos últimos cinco anos, em processos que ficaram paralisados por mais de três anos, valendo-se do disposto no artigo 165, inciso I, do Código Tributário Nacional: 


 “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto,
à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do art. 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; 

Por se tratar de tema bastante importante, a prescrição intercorrente merece atenção dos contribuintes de modo que seus processos administrativos relacionados às penalidades aduaneiras (e que não estejam vinculadas à incidência tributária) possam ser analisados sob o aspecto da prescrição intercorrente de modo que haja oportunidade.

Nossa equipe tem acompanhado os mais recentes julgamentos e estamos prontos para analisar essa oportunidade sob o aspecto da recuperação dos pagamentos indevidos e/ou a resolução de processos paralisados. 

 

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