Utilizar a compensação como instrumento de extinção de crédito tributário e resolução da relação tributária é garantido pela legislação e costumeiramente praticado pelos contribuintes, assegurando os efeitos imediatos da extinção e permitindo à Administração Pública, no prazo de 05 anos, realizar sua validação e homologação – eis o que define o artigo 170 do CTN[1] e, também o artigo 74 da Lei nº 9.430/96[2].
E, em se tratando de utilização do instrumento de compensação tributária, é prática da Receita Federal lavrar Notificação de Lançamento para cobrança da multa de 50% sobre o valor do débito em caso de declaração de compensação não homologada. Em outras palavras, o indeferimento do pedido de compensação apresentado pelo contribuinte está sujeito à cobrança de multa e essa medida encontra previsão no artigo 74, §17 da Lei nº 9.430/96, nos seguintes termos:
“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
(..)
§ 17.Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pela sujeito passivo.”
Tema de bastante relevância teve seu julgamento iniciado pelo Supremo Tribunal Federal que, reconhecendo a repercussão geral (tema 736), decidirá sobre a constitucionalidade da multa para os casos de indeferimento dos pedidos de ressarcimento e de não homologação das declarações de compensação de créditos perante a Receita Federal.
Com a inclusão em pauta para Sessão Virtual e voto do Ministro-Relator Edson Fachin favorável à tese da inconstitucionalidade, o julgamento foi suspenso no dia 22/04/2020 com pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes e está previsto para ser retomado no dia 08/05/2020.
Uma vez que a aplicação de penalidade tributaria pressupõe que haja um descumprimento da legislação, não pode o contribuinte ter tolhido seu livre exercício e direito ao pedido de compensação sob pena de ser penalizado pelo seu indeferimento. Trata-se, sob nosso prisma, de excesso tributário que evidentemente ofende a razoabilidade.
Espera-se que a tese apresentada pelo Ministro Edson Fachin prevaleça para que seja reconhecida e declarada a inconstitucionalidade da referida multa como forma de assegurar a segurança jurídica do contribuinte quanto ao princípio da legalidade, o direito constitucional de petição (artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da CF) e corroborar entendimento jurisprudencial que assim assegura:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DE DÉBITOS. ART. 74, § 3º, V, DA LEI Nº 9.430/1996. MULTA ISOLADA. ART. 74, § 17, DA LEI Nº 9.430/1996. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. Não há desproporcionalidade ou inconstitucionalidade no art. 74, §3º, V, da Lei nº 9.430/96. Trata-se, apenas, de uma regulamentação do procedimento de compensação, nos termos em que prevista pelo art. 170 do CTN, que busca conciliar os direitos do contribuinte com a boa administração fazendária e com a eficiente atividade fiscalizatória.
2. É inconstitucional o parágrafo 17 do artigo 74 da Lei nº 9.430/96.
(TRF4 – APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001674-63.2016.4.04.7001/PR)
MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA PREVISTA NO ART. 74, § 17 DA LEI 9.430, DE 1996. PEDIDOS DE RESSARCIMENTO, RESTITUIÇÃO OU COMPENSAÇÃO. NÃO CONSTATADA A MÁ-FÉ DO CONTRIBUINTE. AFRONTA AO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
Tem o contribuinte o direito de não sofrer a multa isolada de que trata o parágrafo 17 do artigo 74 da Lei 9.430, de 1996 (com a redação dada pelo artigo 62 da Lei 12.249, de 2010), porquanto a aplicação da penalidade nesse caso implica violação ao artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal, e ao princípio da proporcionalidade.
(TRF4 5007625-61.2018.4.04.7003, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 30/10/2019)
Inclusive, pois, o Ministério Público Federal, no Parecer nº 29.065/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR proferido nos autos do RE 796.939 (caso paradigma em julgamento pelo STF), dispõe sobre essa questão:
“(…) É que, muito embora possam ser compreensíveis as intenções da Administração fiscal de evitar possível abuso de poder que, no dizer da própria recorrente, corresponderia à prática de ato ilícito, necessário examinar se a penalidade em causa não acabou equiparando a ilícito o direito do contribuinte de boa-fé apresentar declaração de compensação.
Ato ilícito, nos termos do disposto nos arts. 186 e 187 do Código Civil, é a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Além disso, também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Em contrapartida, lícito é o ato que está de acordo com o ordenamento jurídico. Pratica ato lícito, portanto, aquele que age em conformidade com a lei, não constituindo ilícito as condutas praticadas no exercício regular de um direito reconhecido (art. 188 do Código Civil).
Para fins tributários, ilícito pode ser conceituado como qualquer ato contrário à previsão legal que se relacione com a obrigação tributária principal ou acessória. É espécie do gênero infração, que outra coisa não é senão a violação de uma norma jurídica, o descumprimento de um preceito legal.
Partindo de tais premissas, tem-se que a declaração de compensação tributária reveste-se, a princípio, de licitude, uma vez que prevista expressamente na legislação de regência, constituindo tal prática por parte do contribuinte, se não verificada e comprovada fraude, ato lícito e exercício regular de um direito.
Por outro lado, multa fiscal pode ser entendida como toda prestação pecuniária compulsória, instituída em lei, que decorra do descumprimento de obrigação tributária e que, portanto, constitua sanção de ato ilícito em matéria fiscal.
Traduz-se, portanto, em instrumento jurídico voltado a impedir ou desestimular, diretamente, um ato ou fato que a ordem jurídica proíbe. Assim, somente em caso de prática de ato ilícito seria potencialmente aplicável qualquer tipo de sanção ou multa.
Dito isso, evidencia-se que a sanção em debate conflita com as definições jurídicas assentadas, tendo em vista que, na espécie, a multa decorre da simples não homologação da declaração de compensação realizada pelo contribuinte. Não há, verifica-se, como pressuposto da penalidade, qualquer ato ilícito.
Além disso, a aplicação automática da multa afronta o direito de petição”. (g.n)
A equipe DJA permanece acompanhando a sessão de julgamento e o entendimento a ser firmado pelo STF, e permanece à disposição para esclarecimentos sobre o tema.
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[1] Código Tributário Nacional – Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
[2] Lei nº 9.430/96 – Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. § 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.