Em 2017, o Supremo Tribunal Federal julgou o tema 69 em Repercussão Geral decidindo que o “ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”, pois o imposto não se encaixa no conceito de faturamento e receita da empresa. Após o julgamento, a União apresentou recurso de Embargos de Declaração buscando fosse modulado os efeitos da decisão.
Apontada como a “tese do século”, somente esse ano o STF julgou o recurso para definir que, dentre outros pontos, é o ICMS destacado nas notas fiscais que deve ser desconsiderado da base de calculo, e isso trouxe alguns questionamentos a mais sobre esse tema, em especial como deve ser considerado o cálculo para apurar os créditos de PIS/COFINS.
Para contextualizar o assunto, no regime não cumulativo das contribuições, as empresas devem calcular o montante de PIS/COFINS deduzindo o valor dos créditos estabelecidos na legislação (aquisição de insumos, por exemplo). E, com a decisão do STF determinando a redução da base de cálculo das contribuições, foi apresentado em processo judicial o Parecer COSIT nº 10[1] em que a Receita Federal solicitou o posicionamento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sobre o assunto apresentando seu entendimento de que haveria a necessidade de excluir o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal para apuração dos créditos do PIS e da COFINS, nos seguintes termos:
“9. O valor do ICMS destacado na Nota Fiscal, conforme decisão do Supremo, não integra o preço/valor do produto, visto que apenas transita no caixa das empresas para depois ser recolhido aos estados. Logo, na apuração dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na forma prescrita no inciso I do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2033, deve ser efetuada a exclusão do valor do ICMS destacado na Nota Fiscal de aquisição.
9.1. Destaque-se, ainda, que o §2º, inciso II, do mesmo artigo determina que não dará direito a crédito o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição. Ora, conforme a decisão do Supremo, o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal não está sujeito ao pagamento das contribuições, consequentemente não dá direito ao crédito.
(…)
20. Logo, a tese de que, na apuração da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins a pagar, o ICMS integra o valor de aquisição de bens que geram direito a créditos está em total desacordo com o Princípio da Razoabilidade, visto que ameaça duas das principais fontes para o financiamento da seguridade social, tirando a coerência do arcabouço constitucional criado para esse fim. Nunca é demais ressaltar que o Princípio da Razoabilidade deve permear todo ato administrativo ou decisão jurisdicional.
Conclusão
21. Diante do exposto, em relação ao regime de apuração não cumulativa das contribuições, conclui-se que:
a) na apuração da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a venda, o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal deve ser excluído da base de cálculo, visto que não compõe o preço da mercadoria; e
b) na apuração dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins a descontar, o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal deve ser excluído da base de cálculo, visto que não compõe o preço da mercadoria.
21. Por fim, solicita-se pronunciamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no sentido de ratificar ou retificar o entendimento aqui exposto.” (grifamos)
Ocorre que para prevalecer o entendimento pretendido no referido parecer, haveria necessidade de alteração nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 que regem o PIS e a COFINS. Ambas as normas são específicas ao determinar como deve ser calculado o cálculo do crédito das contribuições: aplicando as alíquotas sobre o valor dos bens adquiridos no mês. Ora, não há que se falar em mudança de tal entendimento com base no princípio da razoabilidade vez que estamos tratando da definição da lei. Nesse aspecto, há que prevalecer o princípio da legalidade.
Esse o entendimento trazido pela Procuradoria da Fazenda pela publicação do Parecer SEI Nº 14483/2021/ME assim ementado:
“Aprovo, para os fins e nos termos do art. 19, caput, e inciso VI, “a”, c/c art. 19-A, III, e § 1º da Lei nº 10.522, de 2002, o PARECER SEI Nº 14483/2021/ME (18741982), a fim de que a Administração Tributária passe a observar, em relação a todos os seus procedimentos, as conclusões consolidadas no mencionado parecer, no sentido de que:
a) conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Tema nº 69 da Repercussão Geral, “O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS”;
b) o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS é o destacado nas notas fiscais;
c) não é possível, com base apenas no conteúdo do acórdão, proceder ao recálculo dos créditos apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida nos autos;
d) as alterações realizadas pela Lei nº 12.973/2014 no Decreto-lei nº 1.598/1977, acerca da definição do que compõe a renda bruta, não impactam no resultado do julgamento do Tema nº 69;
e) os efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS devem se dar após 15.03.2017, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até (inclusive) 15.03.2017;
f) para excepcionar a modulação, exige-se ação judicial ou procedimento administrativo protocolado pelo contribuinte até a data do julgamento de mérito (15/03/2017), ou, anteriormente e que ainda estivesse em curso (não precluso), bem como que discutisse precisamente a inclusão do ICMS destacado na base de cálculo do PIS/COFINS;
g) no que toca aos valores inscritos em dívida ativa, inexistindo discussão administrativa ou judicial, os valores inscritos cujos fatos geradores ocorreram até 15/03/2017 permanecem hígidos, já os posteriores a essa data deverão ser decotados, mediante mero cálculo aritmético, excluindo-se o ICMS destacado da base de cálculo do PIS/COFINS. Havendo discussão judicial ou administrativa, nos termos já detalhados, a modulação poderá ser excepcionada; e
h) o Parecer SEI Nº 7698/2021/ME não excepciona as conclusões do Parecer PGFN/CRJ/Nº 492/2011, face às peculiaridades do caso concreto (modulação retroativa dos efeitos da decisão e longo interregno temporal entre a decisão de mérito e o trânsito em julgado); ao contrário, as prestigia, visto que mantido como marco da cessação da eficácia de decisões anteriores a definitividade do precedente com repercussão geral. Encaminhe-se à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, consoante sugerido. Outrossim, cientifique-se a Procuradoria-Geral da Dívida Ativa da União e do FGTS e a Procuradoria-Geral Adjunta de Consultoria e Contencioso Administrativo Tributário.” (grifamos)
Referido parecer foi publicado de modo que seja observado por toda a Administração Tributária (em especial, a Receita Federal) e tratou esclarecer a respeito da sistemática da não cumulatividade que merece destaque. Segundo indicado pela Procuradoria, o julgamento do STF não autoriza o entendimento de mudança na forma de apurar os créditos de PIS e COFINS, senão vejamos:
“1. Esclarecimentos a respeito da sistemática da não cumulatividade discutida no julgamento do RE 574.706/PR
(…)
14. Não consta do julgado nenhuma alteração ou referência quanto à sistemática da não cumulatividade do PIS e COFINS, que possuem regramento infraconstitucional próprio, não tangenciando nas razões de decidir da Suprema Corte no julgamento do Tema nº 69.
15. Sobre o tema, anote-se, a Coordenação-Geral de Assuntos Tributário (CAT/PGACCAT), por meio do Parecer SEI nº 12943/2021/ME, esclareceu os questionamentos apresentados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil no Parecer Cosit n. 10, de 1 de julho de 2021, concluindo, após percuciente análise, embasada no arcabouço normativo do direito material tributário, que:
“66. Diante do exposto, e nos limites da atribuição regimental desta Coordenação-geral de Assuntos Tributários, conclui-se que a exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, tal como definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema n. 69, não autoriza a extensão à apuração dos créditos dessas contribuições, em razão da legislação em regência, em especial dos arts. 2º e 3º da Lei n. 10.637/2002 e Lei n. 10.833/2004.
67. Com isso, ratifica-se o item a da consulta formulada no Parecer Cosit n. 10, de 1 de julho de 2021, e retifica-se o item b, considerando a inexistência de lastro legal para fins de exclusão do ICMS na apuração dos créditos.
(…)”
16. Prosseguindo, sob o aspecto processual, os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal no RE nº 574.706/PR, voltados à análise da base de cálculo do PIS e da COFINS, não abordaram a sistemática de creditamento do PIS e da COFINS cobrados no regime não cumulativo, e nem poderiam tê-lo feito, uma vez que a matéria não foi discutida no feito de origem (MS nº 2006.70.00.030559-9/PR, digitalizado nos autos nº 5025144-24.2019.4.04.7000).
(…)
18. Repise-se: a não cumulatividade discutida nos autos disse respeito somente ao ICMS, a qual serviu como pano de fundo para estabelecer o que seria retirado da base de incidência do PIS/COFINS. O regime não cumulativo do PIS/COFINS, não foi debatido e nem poderia ter sido, por conta da necessária adstrição ao pedido do contribuinte.
21. (…) não há relação de dependência ou interdependência entre a tomada de créditos e débitos de PIS/COFINS, vale dizer, o paralelismo é desejável, mas não é constitucionalmente obrigatório; e, eventual reconhecimento da inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 não tornaria possível a apuração de créditos sem a inclusão do ICMS que compõe o preço de aquisição. Tal medida exigiria inolvidável modificação dos diplomas legais ora discutidos, como já apontado no Parecer SEI nº 12943/2021/ME.
22. Em arremate, não se vislumbra, com base apenas no conteúdo do acórdão, a possibilidade de se proceder ao recálculo de créditos de PIS/COFINS apurados nas operações de entrada, porque a questão não foi, nem poderia ter sido, discutida no julgamento do Tema 69.” (grifamos)
Pelo exposto, a discussão acerca da necessidade, ou não, da exclusão do ICMS quando da aquisição de insumos, por exemplo, para calcular o crédito de PIS/COFINS resta encerrada. As empresas poderão, observando os termos trazidos pelo STF quando da modulação dos efeitos do RE 574.706/PR, manter o ICMS na apuração dos créditos de PIS/COFINS para calculá-los nos termos das Leis nº 10.634/2002 e 10.833/2003.
Nossa equipe continua acompanhando o tema e, permanecemos à disposição para mais informações.
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[1] Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/cosit-10-rf.pdf. Acessado em 04/10/2021.