A importância da correta descrição de mercadorias para a eficiência dos processos de importação (parte I)

Foto A importância da correta descrição de mercadorias para a eficiência dos processos de importação (parte I)

Muito já se falou e se escreveu sobre Classificação Tarifária de Mercadorias em comércio exterior. Esse é um tema que causa polêmica no mundo todo, porém no Brasil temos uma particularidade, causada pelo estreito relacionamento entre a Aduana e a Fazenda, que se traduz na relevância de outra informação, além do próprio código de classificação da mercadoria: a descrição desta.

Como muitos dos procedimentos fiscais se iniciam pela conferência documental, é natural que o primeiro contato do agente da Aduana com a mercadoria seja através da descrição desta, contida nos documentos de importação. É nesta primeira aproximação, logo no início do desembaraço aduaneiro, que é feita uma análise crítica fundamental a todo processo e que pode influenciar a celeridade com o qual este se desenrola.

Nessa análise, é verificado se a descrição da mercadoria confere com a classificação fiscal desta que consta na documentação, e se – nos termos do inciso III do §1º do Art. 711 do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009) – possui todas as características necessárias à correta classificação fiscal e demais requisitos estabelecidos pela legislação[1]. Se, neste momento, a fiscalização observa a falta de elementos fundamentais ou acessórios na descrição (ou, pelo contrário, a presença de elementos que podem levar a suspeitas de que possa haver algum erro na identificação da mercadoria ou na prestação de informações relevantes para a classificação tarifária desta), pode dar início à análise acerca da mercadoria importada, que resulta em uma maior morosidade no seu desembaraço aduaneiro (ou liberação), com consequentes prejuízos para o importador.

Uma maneira de evitar esse tipo de problema é – após definir a classificação correta e bem embasada da mercadoria – montar uma descrição adequada. Entretanto, esta não é uma tarefa simples pois, se observarmos a legislação pertinente, podemos perceber que a exigência prevista no Regulamento Aduaneiro é para que sejam apresentadas “todas as características necessárias à classificação fiscal”. Essa expressão gera uma subjetividade sobre o que pode ser considerado “todas as características”, uma vez que o tema é bastante amplo e, somado a isto, as normas de classificação fiscal também não são restritivas, mas possuem um caráter mais genérico, buscando serem abrangentes.

Esse caráter não é surpreendente, pois as disposições legais foram instituídas visando cobrir todo tipo de produtos existente – de animais vivos a obras de arte, e até produtos que ainda sequer foram desenvolvidos, mas que devem poder ser classificados quando surgirem.

Entretanto, ainda que exista esta subjetividade quanto ao termo “todas”, há elementos que são obrigatórios em uma descrição, disciplinados pelo mesmo diploma legal, quais sejam: “espécie, marca comercial, modelo, nome comercial ou científico e outros atributos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil que confiram sua identidade comercial”.

Dentre o rol de informações obrigatórias, vimos recentemente que a forma como se apresenta a marca comercial na descrição da mercadoria pode gerar discussão, principalmente para os casos em que o importador possui mais de um fornecedor para o mesmo produto quando o nome comercial poderá variar a cada operação.

Para estes casos, já vimos a prática de mercado em que se elabora uma descrição que possua a indicação de todos os nomes comerciais possíveis do produto, o que, em teoria, não prejudica ou fere qualquer definição legal.

Por outro lado, a legislação prevê penalidade para “declaração inexata” quando há informações indevidas ou incorretas para o controle aduaneiro e, assim, deve-se ter em mente que uma descrição não pode ser confusa ou induzir a fiscalização a erro. A indicação de vários nomes comerciais pode resultar na não individualização da mercadoria importada e, também, em um texto extenso e pouco prático. Neste contexto, podemos inferir que a resposta para a possibilidade ou não de indicação de vários nomes comerciais em uma descrição de mercadorias é mais específica do que genérica, sendo necessário verificarmos cada caso para definirmos se é possível a utilização deste tipo de descrição.

Além disso, a tarefa de desenvolver uma descrição que atenda satisfatoriamente o que se espera na legislação não é fácil, pois, ainda que existam várias maneiras de construir uma descrição, é de suma importância, como já indicado, que esta não gere dúvidas à fiscalização sobre o que se entende pela mercadoria e sobre a classificação fiscal adotada.

Neste sentido, com base na observação de experiências bem-sucedidas, podemos resumir os principais pontos que entendemos serem relevantes para compor uma descrição:

  • Ser clara, focando-se na identificação da mercadoria e no fornecimento de informações que atendam ao requerido pela legislação (inclusive com informações de cunho administrativo, tributário, regulatório e outras);
  • Ser objetiva, sendo relativa apenas à mercadoria;
  • Ser sucinta. Em outras palavras, que evite trechos que não sejam diretamente pertinentes a atender o que é requerido pela legislação (evitar termos propagandísticos, por exemplo), porém fornecendo essas informações de maneira completa e suficiente para o processo de conferência aduaneira;
  • Existência de um padrão de descrição, sempre seguindo uma ordem pré-determinada de informações. O uso de um padrão de disposição das informações indica organização e demonstra que a empresa importadora controla seu cadastro, além de que um bom encadeamento lógico das informações facilita a leitura e identificação destas, o que traz benefícios na celeridade do processo.
  • Em nenhum momento a descrição pode deixar dúvidas em quem a lê. Desse modo, termos menos comuns ou que fazem parte do jargão de um segmento da indústria devem ser explicados, utilizando-se sempre que possível os termos da Tarifa Externa Comum do Mercosul. Por exemplo, pode-se descrever uma “máquina automática de processamento de dados, portátil” com o nome “Tablet” entre parênteses ou com “do tipo Tablet” entre vírgulas;
  • Se for necessário explicar o que uma determinada mercadoria faz, ou como funciona, fazê-lo de forma curta e objetiva – uma descrição não deve ser uma aula técnica ou publicitária sobre o produto;

Ademais, a depender do grupo de produtos sendo descritos, outras recomendações poderiam ser dadas, tais como:

  • Para produtos químicos, fármacos e outros destes segmentos, quando possível e aplicável, fornecer o nome técnico, o nome científico, o “CAS Number” e o nome e número DCB;
  • Para produtos farmacêuticos e veterinários, indicar a data de fabricação e de validade;
  • Para produtos do tipo Bens de Capital ou aeronaves, informar o número de série, matrícula ou registro em máquinas, aparelhos e veículos;
  • Para os segmentos de corantes e pigmentos, informar os “Color Index Number” e “Name”;

As recomendações e sugestões acima não são exaustivas e podem ser aplicadas a diversas mercadorias. O objetivo é que tenhamos uma descrição adequada que facilite o processo de importação, contribuindo para torná-lo mais ágil e com menos intercorrências, uma vez que, quanto mais completa e clara for a descrição, menos dúvidas poderá gerar na Fiscalização quando compará-la à classificação fiscal, ex-tarifário, etc. Por fim, é relevante pontuar que o tema de descrição de mercadorias possui tamanho protagonismo no ambiente de comércio exterior, que veio a se tornar critério específico que as empresas devem cumprir obrigatoriamente dentro do Programa do Operador Econômico Autorizado (Programa OEA), para as certificações na modalidade “Conformidade” (OEA-C).

Para atendimento ao critério, o que a norma[2] exige é que haja um “procedimento formalizado para descrever a mercadoria nas declarações aduaneiros com todas as informações necessárias à sua identificação e para enquadrá-la no código correto na Nomenclatura Comum do Mercosul[3].

Como vimos, a descrição de mercadorias, apesar de nem sempre possuir papel de protagonista nas declarações, é crucial para o adequado processo de importação. Nesse sentido, há vários detalhes que merecem ser analisados pelas empresas de modo que a descrição – assim como a classificação fiscal – seja regularmente revisada.

Acreditamos que as descrições das mercadorias nas declarações aduaneiras manterão seu protagonismo ainda durante bastante tempo, entretanto, com a vigência do Catálogo de Produtos, certamente haverá reflexos também quanto às descrições, mas este assunto será abordado na segunda parte deste artigo.

***

[1] Artigo 711, §1º, inciso III do Regulamento Aduaneiro, Decreto nº 6.759/2009 e nexo Único da Instrução Normativa nº 680/2006

[2] Art. 15, I da Instrução Normativa RFB nº 2.154, de 26 de julho de 2023

[3] Item 15.1 do Anexo II da Portaria COANA nº 133/2023

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