por Thaís de Arruda Leite Ribeiro
O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários, mais conhecido pela sigla “IOF”, é um tributo cuja competência para instituição, fiscalização e arrecadação foi atribuída à União Federal pelo artigo 153, inciso V, da Constituição Federal. Assim, utilizando-se de sua prerrogativa, a União o instituiu com a edição da Lei nº 5.143/66, regulamentando-o e disciplinando-o através do Código Tributário Nacional e do Decreto nº 6.306/07.
Inicialmente, vale destacar que o IOF tem nítido caráter extrafiscal, já que não possui finalidade arrecadatória, mas sim de ajustamento de condutas do mercado, buscando incentivar ou inibir comportamentos de acordo com o interesse público. Nesse sentido, a doutrinadora Regina Helena Costa1 explica que:
“Trata-se de imposto de caráter marcadamente extrafiscal, porquanto opera como instrumento regulador do mercado financeiro. Em razão disso, sujeita-se a regime jurídico diferenciado quanto ao princípio da anterioridade – não observa nem a anterioridade genérica, nem a especial -, bem como suas alíquotas podem ser alteradas pelo Poder Executivo, atendidas as condições e limites estabelecidos em lei (alíneas b e c do art. 150 e art. 153, §1º, CR)”.
Referido imposto é devido tanto por pessoas físicas quanto jurídicas e desdobra-se sobre quatro bases econômicas, quais sejam: (i) operações de crédito; (ii) de seguro; (iii) relativas a títulos e valores mobiliários; e (iv) de câmbio, da qual trataremos especialmente no presente artigo.
Segundo o artigo 11 do Decreto nº 6.306/07 (Regulamento de IOF), o IOF-Câmbio incide quando da efetiva “entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este” e se torna devido “no ato da liquidação da operação de câmbio”.
Este Decreto determina, em seu artigo 15-B que a alíquota do IOF-Câmbio será de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento) sobre “o montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição, correspondente ao valor, em moeda estrangeira, da operação de câmbio”2 , e elenca, em seus incisos, diversas exceções à tal regra.
A presente reflexão tem como ponto focal a alíquota incidente sobre operações simbólicas de câmbio – correspondentes à “saída fictícia” ou o “retorno fictício” da moeda do território nacional -, tratada no inciso XVIII do referido artigo, o qual dispõe que a operação “de compra de moeda estrangeira por instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, contratada simultaneamente com operação de venda, exclusivamente quando requerida em disposição regulamentar” está sujeita à alíquota zero do IOF-Câmbio.
Ocorre que, embora a exceção legal retro mencionada esteja expressa no Decreto nº 6.306/07 e em plena vigência, tem se visto que a cobrança do IOF em virtude da celebração de “operações simbólicas” de compra e venda de câmbio, contraídas unicamente por disposição normativa, continua sendo realizada por instituições financeiras que, nos termos do artigo 40 do Regulamento do IOF, são responsáveis tributários pela cobrança do imposto visto que somente transpassam os valores recolhidos dos contribuintes ao Tesouro Nacional.
Diante de tal situação, podemos dizer que o debate relativo à ilegalidade da incidência e cobrança do IOF-Câmbio em operações simbólicas de compra e venda câmbio é bastante expressivo. Isto, pois, tal como demonstrado anteriormente, quando a contratação simbólica é imposta aos contribuintes exclusivamente por força de disposição normativa, sem que haja a efetiva liquidação dos contratos de câmbio referente à entrada ou saída dos valores das divisas brasileiras, a alíquota incidente sobre a operação deve ser zero.
Nesse sentido, quanto ao ingresso de capital estrangeiro no País, a Resolução Bacen nº 3.844/10, em seu artigo 3º, dispõe que este deverá ser registrado, em até 30 dias a contar do evento, através do “lançamento, no Sistema de Informações Banco Central (Sisbacen) – Registro Declaratório Eletrônico (RDE), das informações necessárias à identificação das partes e à caracterização individualizada das operações atinentes ao capital estrangeiro investido no País”, além de enumerar no artigo 7º as operações que se sujeitam obrigatoriamente a realização de operações simultâneas de câmbio, sendo estas: (i) “a conversão de haveres de não residentes no País em modalidade de capital estrangeiro registrável no Banco Central do Brasil”; (ii) “a transferência entre modalidades de capital estrangeiro registrado no Banco Central do Brasil”; e (iii) “a renovação, a repactuação e a assunção de obrigação de operação de empréstimo externo, sujeito a registro no Banco Central do Brasil, contratado de forma direta ou mediante emissão de títulos no mercado internacional”.
Ademais, especificamente em relação à conversão de haveres de estrangeiros em modalidade de capital estrangeiro, os artigos 283 , 374 e 385 da Circular Bacen nº 3.689/13 reforçam a imprescindibilidade de sujeição de tal operação à realização de contratos simultâneos de câmbio, sem que haja a expedição de ordem de pagamento do ou para o exterior.
A título de exemplo, imagine que uma empresa brasileira controlada por empresa estrangeira, importa desta segunda diversos bens sob Regime Aduaneiro de Admissão Temporária para Utilização Econômica6 , no qual não existe transferência de propriedade, mas tão somente o empréstimo ou aluguel de tais bens.
Referido Regime Aduaneiro Especial tem prazo de vigência máximo correspondente a 100 (cem) meses7. Assim, ao final do período do contrato, conforme informação cedida à Receita Federal do Brasil, a empresa brasileira em questão necessita eleger uma das providências do artigo 44, da IN RFB nº 1.600/15, para extinguir referido regime, quais sejam: (i) reexportação; (ii) entrega à RFB; (iii) destruição sob controle aduaneiro; (iv) transferência para outro regime aduaneiro especial; ou (v) despacho para consumo.
Se no exemplo em tela a empresa brasileira optar por nacionalizar referidos bens – através do despacho para consumo -, constituirá uma dívida financeira com a empresa estrangeira controladora, a qual poderá decidir por incorporar os valores que lhe são devidos através da conversão dos haveres correspondentes à venda dos bens em investimento estrangeiro direito, integralizando o montante respectivo em quotas de participação no capital social da empresa brasileira.
Note que em momento algum houve a remessa de valores ao exterior para quitação da dívida contraída na situação posta, mas tão somente a conversão dos valores em investimento estrangeiro direto pela empresa estrangeira. Contudo, exclusivamente por disposição normativa, nos termos da legislação aplicável8, as empresas são obrigadas a celebrar contratos simbólicos de compra e venda câmbio, os quais são indevidamente onerados com o IOF-Câmbio, sendo que, de acordo com a previsão do artigo 15-B, inciso XVIII – com a redação do Decreto nº 8.325/14 -, o caso narrado estaria sujeito à alíquota zero deste tributo. Diante da lógica apresentada, a discussão judicial sobre a legislação aplicável seria plenamente cabível.
Em situação muito semelhante ao caso acima demonstrado, temos a operação de conversão do instituto do “adiantamento por conta de exportação” – consistente na antecipação de recursos estrangeiros em moeda nacional ao exportador, por conta de uma exportação a ser realizada no futuro – em investimento estrangeiro direto9, a qual também está sujeita à alíquota zero do IOF-Câmbio, por se tratar de hipótese em que é imperativa a realização de operações simultâneas/simbólicas de câmbio para formalização do procedimento. Inclusive, há julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região neste sentido, senão vejamos a ementa:
“MANDADO DE SEGURANÇA. PAGAMENTO ANTECIPADO DE EXPORTAÇÃO. CONVERSÃO EM INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO. OPERAÇÕES SIMULTÂNEAS DE CÂMBIO. IOF. ALÍQUOTA ZERO. As operações simultâneas de câmbio, necessárias para a conversão de haveres decorrentes de outras modalidades de aplicação do capital estrangeiro no Brasil em investimento estrangeiro direto, sujeitam-se à alíquota zero do IOF, conforme previsto no artigo 15-B, XVIII, do Decreto nº 6.306, de 2007.” (TRF-4 – Apelação Cível nº 5001292-80.2015.4.04.7009/PR, Relator Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, 2ª Turma, julgado em 18/10/2016).
De mais a mais, a Solução de Consulta COSIT nº 261/14 fixa o entendimento da Receita Federal acerca da indispensabilidade da celebração de contratos simbólicos de câmbio para conversão do instituto do “empréstimo externo” em investimento estrangeiro direto:
“17. A capitalização de empréstimos feitos por não residentes sujeita-se, portanto, à contratação e liquidação das correspondentes operações simultâneas de câmbio. No caso, deve-se considerar que a conversão de empréstimos em investimento direto envolve a realização de duas operações simultâneas: (i) a remessa dos valores dos empréstimos para o não residente; e, (ii) em seguida, a devolução desses mesmos valores, desta feita para integralizar o capital social da pessoa jurídica brasileira”. (…) “19. Dessa forma, as operações simultâneas citadas no item 17 demandam: (i) a venda de moeda estrangeira, quando da remessa dos empréstimos para o não residente; e (ii) a compra de moeda estrangeira, quando da devolução desses valores, com a finalidade de se integralizar o capital social da pessoa jurídica brasileira. A entrega da moeda é “simbólica”, pois não há emissão de ordem de pagamento do ou para o exterior. No entanto, referidas operações devem ser formalizadas por meio de contratos de câmbio, uma vez que não estão dispensadas dessa formalização (arts. 41 e 55 da Circular Bacen nº 3.691/2013)”.
E, em complemento ao entendimento acima transcrito, a Solução de Consulta COSIT nº 597/17 dispõe que tal conversão também estaria sujeita à alíquota zero do IOF-Câmbio, sempre que o “empréstimo externo” tiver prazo para liquidação superior a 180 (cento e oitenta)10 dias:
“EMPRÉSTIMO EXTERNO. CONVERSÃO EM INVESTIMENTO ESTRANGEIRO DIRETO (IED). INGRESSO DE RECURSOS. OPERAÇÕES SIMULTÂNEAS DE CÂMBIO. ALÍQUOTA ZERO. APLICABILIDADE. Sobre a operação simultânea de câmbio referente à entrada de recursos financeiros destinados à integralização de capital social, em face da conversão de empréstimo externo em IED, aplica-se a alíquota zero do IOF estabelecida pelo inciso XVIII do art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007. DISPOSITIVOS LEGAIS: Decreto nº 6.306, de 2007, art. 15-B, XVIII; Resolução CMN nº 3.844, de 2010, arts. 7º e 10; Circular Bacen nº 3.691, de 2013, art. 30.”.
Ora, da análise dos entendimentos judicial e administrativo sobre o tema, resta claro que o correto enquadramento dessas diversas formas de conversão de “haveres estrangeiros” em capital estrangeiro no País acarretaria exclusivamente à incidência de alíquota zero do IOF-Câmbio.
Pelo até então exposto, vimos que as transferências financeiras realizadas por “operações simbólicas” de compra e venda de câmbio estão sujeitas a alíquota zero. Sendo assim, eventuais recolhimentos de IOF-Câmbio em tal situação seriam completamente indevidos por violação direta ao disposto no artigo 15-B, inciso XVIII, do Decreto nº 6.306/07.
Reforçamos, portanto, que as práticas tributárias devem ser acompanhadas de acordo com a legislação, de modo que haja monitoramento dos pagamentos devidos e/ou indevidos como forma de gestão. A efetividade e prática de compliance nas operações tributárias, aliada a uma análise mais atenta das operações financeiras realizadas, permite que os contribuintes possam assegurar que tem sua carga tributária corretamente aplicada e, eventualmente, localizar cobranças indevidas, as quais poderão ser discutidas judicialmente, buscando a sua restituição.
1 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 4. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 372.
2 Definição pelos artigos 64 do Código Tributário Nacional e 14 do Regulamento de IOF.
3 Art. 28. As conversões de haveres em investimento estrangeiro direto e as transferências de outras modalidades de aplicação do capital estrangeiro no Brasil para a modalidade objeto deste capítulo e vice-versa sujeitam-se à realização de operações simultâneas de câmbio ou de transferências internacionais em reais, sem movimentação financeira dos recursos, independentemente de prévia autorização do Banco Central do Brasil.
4 Art. 37. Considera-se conversão em investimento estrangeiro direto, para os fins desta subseção, a operação pela qual direitos e créditos passíveis de gerar transferências financeiras para o exterior, assim como bens pertencentes a não residentes, são utilizados para aquisição ou integralização de participação em empresa no País.
5 Art. 38. No registro das conversões de que trata esta subseção, devem ser observadas as seguintes etapas:
I – baixa, no módulo ROF do RDE, do valor a ser convertido, nos casos de operações registradas;
II – operações simultâneas de câmbio, sem expedição de ordem de pagamento do ou para o exterior ou lançamentos simultâneos de transferência internacional de reais, mediante utilização de códigos de natureza correspondentes ao valor a ser convertido e ao investimento estrangeiro direto, bem como de código de grupo específico; e
III – inclusão, no módulo IED do RDE, da operação correspondente.
6 Segundo o artigo 56 da IN RFB nº 1.600/15: “O regime aduaneiro especial de admissão temporária para utilização econômica é o que permite a importação de bens destinados à prestação de serviços a terceiros ou à produção de outros bens destinados à venda, por prazo fixado, com pagamento dos tributos federais incidentes na importação, proporcionalmente a seu tempo de permanência no território aduaneiro”
7 Art. 58. O prazo de vigência do regime será igual àquele previsto no contrato de arrendamento operacional, de aluguel ou de empréstimo, celebrado entre o importador e a pessoa estrangeira. § 1º O prazo máximo de vigência do regime será de 100 (cem) meses. (…)
8 Artigos 28, 37 e 38 da Circular Bacen nº 3.689/13.
9 Circular Bacen nº 3.691/13.
Art. 104. Para os valores ingressados no País a título de recebimento antecipado de exportação, deve ocorrer no prazo de até 360 (trezentos e sessenta) dias: (…) II – a conversão pelo exportador, mediante anuência prévia do pagador no exterior, em investimento direto de capital ou em empréstimo em moeda, e registrado no Banco Central do Brasil; ou (…)
10 Decreto nº 6.306/07
Art. 15-B. A alíquota do IOF fica reduzida para trinta e oito centésimos por cento, observadas as seguintes exceções: (…)
XII – nas liquidações de operações de câmbio para ingresso de recursos no País, inclusive por meio de operações simultâneas, referente a empréstimo externo, sujeito a registro no Banco Central do Brasil, contratado de forma direta ou mediante emissão de títulos no mercado internacional com prazo médio mínimo de até cento e oitenta dias: seis por cento; (…)