Por Diego Luiz Silva Joaquim e
Bruno Felipe Ferreira
Na última sexta-feira, dia 25 de março de 2022, foi publicada a promulgação de partes anteriormente vetadas da Lei nº 14.301/2022, que institui o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem (chamado “BR do Mar”) e, como o próprio nome induz, esta lei tem como objetivo fomentar o tráfego de navios que fazem transporte de contêineres entre portos brasileiros.
Essas partes haviam sido vetadas pelo Presidente da República, após ouvidos o Ministério da Infraestrutura e o Ministério da Economia, que, discordando do projeto de lei aprovado, considerou que as alterações promovidas incorrem em “vício de inconstitucionalidade e em contrariedade ao interesse público, pois acarretaria renúncia de receitas sem a apresentação da estimativa do impacto orçamentário e financeiro e das medidas compensatórias”.
Quando há veto do Presidente da República em projeto de lei, as discordâncias são reanalisadas pelo Congresso Nacional em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal que podem: (i) manter os vetos, sendo que a lei já publicada permanece como está; ou (ii) derrubar os vetos de modo que os trechos passam a integrar a lei.
E assim ocorreu no caso das alíquotas do AFRMM: os vetos do Presidente da República foram derrubados pelo Congresso Nacional trazendo a redução as alíquotas, conforme abaixo:
A redução de alíquota representa redução de custo às importações realizadas através do modal marítimo. Isto, pois houve a diminuição das alíquotas para as navegações de longo curso, de cabotagem e, também, para a navegação fluvial e lacustre no transporte de granéis sólidos e outras cargas nas regiões norte e nordeste do país.
Sem entrar no mérito sobre a incidência do AFRMM, que deixaremos para outra oportunidade, além da redução de custos, a referida diminuição de alíquota também reduz o ICMS pago nas importações, vez que o adicional de frete compõe a base do imposto estadual.
Assim, na prática, o uso deste tipo de transporte ficará menos oneroso às empresas que assim optarem, contribuindo para o objetivo do Programa “BR do Mar“, que é incentivar a utilização do transporte marítimo.
E algumas dúvidas surgiram com a promulgação dos trechos, dentre eles, a partir de quando se inicia a vigência da nova alíquota do AFRMM? Em se tratando de derrubada de vetos pelo Congresso Nacional à Lei nº 14.301/2022, entendemos que imediatamente.
Vejamos que a referida lei foi publicada no dia 07 de janeiro de 2022 com vigência a partir da data da sua publicação e, os trechos ora promulgados haviam sido vetados. Com a promulgação dessas partes, entendemos que o processo legislativo se cumpriu na integralidade de modo que as partes agora vigentes, passam a valer imediatamente.
Mas haveria retroatividade? Isto é, a alíquota reduzida deveria ser aplicada desde o dia 07 de janeiro?
Entendemos que não. A vigência das partes vetadas passa a valer quando da sua promulgação pelo Presidente da República que faz parte do processo legislativo para a promulgação do projeto de Lei que se tornou a Lei nº 14.301/2022. Em outras palavras, entendemos que a derrubada do veto deve obedecer ao mesmo critério estabelecido para a vigência da lei, devendo observar, para as partes vetadas, da data em que estas foram publicadas.
Deveria observar o período de vacatio legis de 45 (quarenta e cinco dias) estabelecido pela LINDB?
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB – Decreto-Lei nº 4.657/42) determina que, não havendo disposição em contrário, a lei passa a vigorar no país após 45 (quarenta e cinco) dias de sua publicação, nos seguintes termos:
“Art. 1º – Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.”
Para analisar esta situação, é importante definir se a publicação do dia 25/03/2022 que promulgou as partes que haviam sido vetadas pode ser vista como uma “nova lei” de modo que deva observar o disposto na LINDB ou deve seguir a vigência da lei a qual fazem parte.
É importante observar que a lei original (nº 14.301/22) trouxe informação de que entraria em vigor na data de sua publicação, sendo necessário que este dispositivo seja aplicado também à parte anteriormente vetada, embora, como já pontuado anteriormente, não é possível que esta retroaja ao tempo de publicação e vigência daquela.
Neste aspecto, o Supremo Tribunal Federal, em 1976, decidiu situação semelhante para esclarecer que a parte vetada passa a vigorar a partir de sua promulgação, respeitados o prazo de vacatio legis da lei original, conforme entendimento abaixo:
Mandado de Segurança. Honorários de Advogado. Início da Vigência de Parte de Lei cujo Veto Foi Rejeitado. Segundo decisões recentes de ambas as turmas do STF (RE 81.481, de 8.8.75; RE 83.015, de 14.11.75; e RE 84.317, de 06.4.76), continua em vigor a Súmula 512. Quando há veto parcial, e a parte vetada vem a ser, por causa da rejeição dele, promulgada e publicada, ela se integra na lei que decorreu do projeto. Em virtude dessa integração, a entrada em vigor da parte vetada segue o mesmo critério estabelecido para a vigência da lei a que ela foi integrada, considerado, porém, o dia de publicação da parte vetada que passou a integrar a lei, e, não, o desta. Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte.” (STF, RE 85.950/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 26/11/1976). (Grifamos)
E a partir de quando a nova alíquota deve, na prática, ser aplicada?
É importante destacar que o AFRMM é um tributo denominado como Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico e, assim sendo, a aplicação da alíquota reduzida deve ser observada de acordo com a efetividade de seu fato gerador.
Segundo estabelece o artigo 4º da Lei nº 10.893/04, o “fato gerador do AFRMM é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro” e, portanto, entendemos que a nova alíquota somente pode ser aplicada para as operações iniciadas a partir do dia 25/03/2022. Operações que tenham iniciado antes desta data devem observar a alíquota anterior.
Neste mesmo sentido, foi publicado no dia 28/03/2022, a Notícia Siscomex Importação nº 008/2022 informando que as novas alíquotas passaram a vigorar no dia 25 de março de 2022 e que, considerando que o fato gerador do referido tributo é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro, aqueles contribuintes que eventualmente tenham recolhido tributo com alíquota menor deverão recolher o saldo devido por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF, sob o código de arrecadação 3709 – vejamos a íntegra:
“Notícia Siscomex – Importação
28/03/2022 0008 AFRMM – Alteração de Alíquota
Informamos que, com a promulgação das partes vetadas da Lei nº 14.301, de 7 de janeiro de 2022, no Diário Oficial da União em 25 de março de 2022, passaram a vigorar as novas alíquotas do Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM aos conhecimentos eletrônicos – CE cujo fato gerador do tributo ocorreu a partir dessa data.
Considerando que:
a) nos termos do art. 4º da Lei 10.893/2004, o fato gerador do AFRMM é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro; e
b) o Sistema Mercante efetua o cálculo para pagamento do AFRMM observando a alíquota vigente na data de pagamento,
Orientamos o contribuinte para, ao efetuar o pagamento dos CE cujo fato gerador tenha ocorrido antes da vigência das novas alíquotas, recolher o saldo devido de AFRMM por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF, sob o código de arrecadação 3709.
Coordenação-Geral de Administração Aduaneira”
Assim, concluímos que os benefícios de diminuição de alíquota do AFRMM passam a vigorar a partir da sua publicação, já podendo ser utilizados pelos intervenientes que utilizam destas modalidades de transporte, observando os comentários apresentados.
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