STF define o sujeito ativo do ICMS-Importação

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por Gabriela Cardoso Tiussi

Em decisão unânime proferida por meio do plenário virtual no dia 27/04/2020, o Supremo Tribunal Federal – STF fixou a tese que em caso de importações indiretas, ou seja, aquelas que envolvem uma empresa “intermediária” na operação, o ICMS deve ser recolhido para o estado no qual está localizado o destinatário final da mercadoria.

O ARE 665.134 (tema 520) foi decidido com base na sistemática de repercussão geral e, sendo assim, o entendimento deve ser observado por todas as outras instâncias do Poder Judiciário, para conferir uniformidade e garantir a segurança jurídica aos contribuintes.

Eis a ementa do referido julgado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. IMPORTAÇÃO. ART. 155, §2º, IX, “A”, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ART. 11, I, “D” E “E”, DA LEI COMPLEMENTAR 87/96. AS PECTO PESSOAL DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA. DESTINATÁRIO LEGAL DA MERCADORIA. DOMICÍLIO. ESTABELECIMENTO. TRANSFERÊNCIA DE DOMÍNIO. IMPORTAÇÃO POR CONTA PRÓPRIA. IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIRO. IMPORTAÇÃO POR CONTA PRÓPRIA, SOB ENCOMENDA.

  1. Fixação da seguinte tese jurídica ao Tema 520 da sistemática da repercussão geral: “O sujeito ativo da obrigação tributária de ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado-membro no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio.”
  2. A jurisprudência desta Corte entende ser o sujeito ativo do ICMS-importação o Estado-membro no qual estiver localizado o destinatário final da operação, logo é irrelevante o desembaraço aduaneiro ocorrer na espacialidade de outro ente federativo. Precedentes.
  3. Em relação ao significante “destinatário final”, para efeitos tributários, a disponibilidade jurídica precede a econômica, isto é, o sujeito passivo do fato gerador é o destinatário legal da operação da qual resulta a transferência de propriedade da mercadoria. Nesse sentido, a forma não prevalece sobre o conteúdo, sendo o sujeito tributário quem dá causa à ocorrência da circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do domínio. Ademais, não ocorre a prevalência de eventuais pactos particulares entre as partes envolvidas na importação, quando da definição dos polos da relação tributária.
  4. Pela tese fixada, são os destinatários legais das operações, em cada hipótese de importação, as seguintes pessoas jurídicas: a) na importação por conta própria, a destinatária econômica coincide com a jurídica, uma vez que a importadora utiliza a mercadoria em sua cadeia produtiva; b) na importação por conta e ordem de terceiro, a destinatária jurídica é quem dá causa efetiva à operação de importação, ou seja, a parte contratante de prestação de serviço consistente na realização de despacho aduaneiro de mercadoria, em nome próprio, por parte da importadora contratada; c) na importação por conta própria, sob encomenda, a destinatária jurídica é a sociedade empresária importadora (trading company), pois é quem incorre no fato gerador do ICMS com o fito de posterior revenda, ainda que mediante acerto prévio, após o processo de internalização.
  5. Na aplicação da tese ao caso concreto, colhem-se equívocos na qualificação jurídica do conjunto fático-probatório, tal como estabelecido pelas instâncias ordinárias e sob as luzes da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pelas seguintes razões: a) não se considerou a circulação simbólica da mercadoria como aspecto material do fato gerador; b) a destinação da mercadoria importada como matéria-prima para a produção de defensivos agrícolas em nada interfere a fixação do sujeito ativo do tributo, porque não cabe confundir o destinatário econômico com o jurídico; e c) não se verifica qualquer indício de “importação indireta”, uma vez que, no caso, trata-se de filiais de uma mesma sociedade empresária.
  6. Faz-se necessária a utilização de técnica de declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, ao art. 11, I, “d”, da Lei Complementar federal 87/96, com o fito de afastar o entendimento de que o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável pelo tributo, é apenas e necessariamente o da entrada física de importado.
  7. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”

A discussão se originou por conta das interpretações “individuais” dos estados sobre para quem era devido o ICMS nas operações indiretas. Isto, porque o artigo 11, I, “d” da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) dispõe que o ICMS devido na importação deve ser pago ao estado do estabelecimento onde ocorresse a entrada física da mercadoria importada.

A Constituição Federal, por sua vez, determina no artigo 155, §2º, IX, “a”, que o imposto incide sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior e é devido ao estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria.

A controvérsia reside na interpretação dos estados sobre o termo constitucional “destinatário da mercadoria”. Explico: conforme disposto no artigo 2º da Instrução Normativa RFB 1861/2018, a importação por conta e ordem de terceiro é aquela na qual uma pessoa jurídica (importadora) promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida no exterior por outra pessoa jurídica (adquirente). Vale ressaltar que o principal objeto da relação jurídica nas importações por conta e ordem de terceiro é a prestação do serviço de despacho aduaneiro de importação, sendo que a operação pode envolver ainda outros tipos de serviço como cotação de preços, intermediação comercial e pagamento ao fornecedor estrangeiro, porém é importante ressaltar que não há a venda de mercadorias propriamente dita, entre o importador e o adquirente, mas tão somente prestação de serviços.

Pois bem. Neste tipo de operação é comum que o desembaraço aduaneiro seja feito em um estado e que a mercadoria seja integralmente transferida para a sede da adquirente, chamada de destinatária legal da mercadoria. Ocorre que determinados estados entendiam que o ICMS deveria ser pago ao estado onde se encontra o destinatário final da mercadoria (adquirente) e outros estados entendiam que o ICMS deveria ser pago ao estado onde ocorreu o desembaraço aduaneiro e a entrada física da mercadoria, dentre outras interpretações.

Na prática, isto representava o constante risco de dupla cobrança do imposto, além de demais encargos legais incidentes no caso da falta de pagamento: em São Paulo, os contribuintes que se creditam de valores acima do que o Fisco entende como devidos na aquisição de mercadorias importadas podem ter a parte excedente do crédito glosada e sofrer penalidades como multa que pode chegar a até 100% do valor do crédito  glosado. Além do prejuízo para os contribuintes, a falta de uniformização do entendimento acirra a guerra fiscal entre os estados, mormente porque em diversos estados há determinados benefícios fiscais referentes ao ICMS na importação de mercadoria, os quais eram comumente usufruídos mesmo que a mercadoria tivesse como destinação final outra unidade federativa.

A título de exemplo, colaciono decisão do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do estado de São Paulo, que entende que o ICMS na importação por conta e ordem é devido ao estado onde está localizado o adquirente da mercadoria:

ICMS.  INFRAÇÕES  RELATIVAS  AO  PAGAMENTO  DO  IMPOSTO  (item  1.1)  E  AO CRÉDITO DO IMPOSTO (itens 11.2e 111.3) -IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE  TERCEIROS.  Ambas  as  questões,  pertinentes  aos  itens  1.  1,  11.2  e  II  1.3do auto  de  estão  relacionadas  com operações  de  importação  de  mercadorias  do exterior,  desembaraçadas  fora  do  Estado  de  São  Paulo,  por  importadora localizada no Estado de Santa Catarina, por conta e ordem da autuada. Resta clara  a  existência  de  uma  só  operação  de  circulação  de  mercadorias,  que  é  a importação,  embora  haja  o  envolvimento  de  duas  pessoas:  a  primeira,  que efetua  em  seu  nome  o  despacho  aduaneiro e  a  segunda  que  realmente  tem interesse  no  negócio  jurídico  que  dará  origem  à  “entrada  de  mercadoria importada do exterior’, fato gerador do ICMS. Assim, esta segunda pessoa, que promove a importação, por sua conta e risco, e que, de fato, arca, também, com os  tributos  federais  e  estaduais  incidentes  na  importação,  ainda  que  sejam pagos  em  nome  de  outra  pessoa  jurídica,  é  a  portadora  de  capacidade contributiva   a   qual   o   legislador   constitucional   quis   tributar   pelo   ICMS, conforme dispõe o art. 155, §2°, inciso IX, alínea “a”, da Constituição Federal. Afasto a  alegada  duplicidade  de  exigência  nos  itens  11.2e  111.3do  auto  de infração, uma vez que é possível visualizar no DDF que eles se referem a períodos distintos. Correta, ainda, glosa do crédito lançado na escrita fiscal, pois a autuada aproveitou-se  efetivamente  de  créditos,  sem  ter  pago  por  eles.  Daí  porque  lhe foram  imputadas  duas  infrações  distintas.  (TIT/SP, DRTC –1II1038830,  julg. 18/07/2013). (grifamos)

Por outro lado, há diversas soluções de consulta editadas pela Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina no sentido contrário, ou seja, de que o ICMS-Importação é devido ao estado onde está localizado o importador, independente da modalidade de importação:

EMENTA:  ICMS.  IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM DE TERCEIROS. SUJEITO ATIVO. (a) Tratando-se  de  importação  por  conta  e  ordem  de  terceiros,  a empresa  contratada  para  realizar  a importação  por  conta  e  ordem  será considerada  importadora  da  mercadoria,  importador  de  direito,  mesmo que nesta operação a mercadoria seja destinada a um terceiro, importador de fato; (b)  o  exame  de  questões  que  não  envolvam  a  interpretação  da  legislação tributária estadual, como orientações e planejamentos tributários situam-se fora do  âmbito  de  competência  desta  Comissão.(SEF-SC, CONSULTA  128/2014, Disponibilizado na página da Pe/SEF em 09.10.14) (grifamos)

Ora, em uma operação de importação por conta e ordem cujo desembaraço aduaneiro houvesse ocorrido no estado de Santa Catarina e o adquirente se localizasse em São Paulo, possivelmente os dois estados cobrariam os tributos, o que é absolutamente descabido.

Neste contexto que foi proferida a decisão pelo STF, com o objetivo de fixar critérios claros e uniformes que possibilitassem identificar de fato quem é o destinatário de mercadorias importadas para fins de recolhimento do ICMS nas variadas modalidades de importação.

O processo objeto da decisão recente é relacionado a importação de mercadoria via estado de São Paulo, que foi remetida para industrialização em Minas Gerais e então retornou para São Pulo para ser comercializada. Importante pontuar que o paradigma não trata exatamente de uma operação de importação por encomenda, mas sim de uma industrialização por encomenda que ocorrera após o desembaraço aduaneiro das mercadorias, no entanto ainda assim se definiu o sujeito ativo nas modalidades de importação indireta.

O acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu pela incidência do ICMS no próprio estado, diferente do que fora defendido pelo contribuinte, que entendia que o tributo deveria ser recolhido para o estado de São Paulo, uma vez que a industrialização em Minas Gerais era apenas uma fase de intermediação da operação, sendo que tanto o desembaraço aduaneiro quanto o destino final da mercadoria se deram no estado de São Paulo.

Na análise do caso foi definido então pelo STF que “o sujeito ativo da obrigação tributária de ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado-membro no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio”.

Isto, porque foi considerado pelo tribunal que o fato gerador do ICMS na importação é a transferência de titularidade (isto é, entre exportador e importador ou adquirente) da mercadoria importada, o que representa a compra e venda de mercadoria, quando tal transferência é feita de forma onerosa. Por este motivo, inclusive, a escolha de paradigma que envolve a remessa de insumos para industrialização não parece a mais adequada, uma vez que neste tipo de operação sequer haveria discussão sobre a transferência de titularidade entre importador e industrial.

De todo modo, o STF fixou a tese no sentido que o ICMS devido na importação de mercadorias deve ser recolhido em favor do estado do destinatário jurídico, ou seja, o estado onde estiver localizado aquele que deu causa à transferência do domínio: o estado daquele que realizou a operação de compra e venda internacional. Importante ressaltar que em trechos de seu voto, o relator do RE em comento destaca que “o dinamismo das relações comerciais não comporta a imposição da entrada física da mercadoria no estabelecimento do adquirente-importador para configurar a circulação de mercadoria”. Em outro trecho, discorre que “a ordem jurídico-constitucional também agasalha a hipótese de entrada simbólica da mercadoria importada, desde que haja efetivamente um negócio jurídico internacional”. De acordo com a decisão, nos julgados de instâncias inferiores acerca da temática não se considerou a circulação simbólica da mercadoria como aspecto material do fato gerador, sendo que a destinação da mercadoria importada como matéria prima para a produção de determinados bens em nada interfere a fixação do sujeito ativo do tributo, porque não cabe confundir destinatário econômico com destinatário jurídico.

Ocorre que o próprio relator, em outro trecho da decisão, se manifesta no sentido que “a destinação da mercadoria importada como matéria-prima para a produção de defensivos agrícolas é elemento definidor da fixação do sujeito ativo da obrigação tributaria. Isto porque o negócio jurídico em tela tem como vetor a industrialização, por sua vez levada a efeito na territorialidade da parte Recorrida, o Estado de Minas Gerais”. Ora, se trata da utilização do critério de destinação dada ao produto para fixação do sujeito ativo do ICMS-Importação, que deixou de constar na ementa do julgado e não foi devidamente explanado no acórdão – o que é passível de saneamento mediante a oposição de Embargos de Declaração, que foram opostos por ambas as partes e estão pendentes de julgamento.

Levando em conta o entendimento do órgão, podemos concluir que na importação por conta e ordem de terceiros, o ICMS deve ser recolhido para o estado onde está localizado o adquirente da mercadoria, independentemente do estado onde foi localizado o desembaraço aduaneiro. Vale ressaltar que situação diferente ocorre na importação por encomenda, onde o mesmo tributo deve ser recolhido ao estado onde está localizado o importador e não o encomendante, conforme consta no próprio julgado:

  1. Na importação por conta própria, a destinatária econômica coincide com a jurídica, uma vez que a importadora utiliza a mercadoria em sua cadeia produtiva;
  2. Na importação por conta e ordem de terceiro, a destinatária jurídica é quem dá causa efetiva à operação de importação, ou seja, a parte contratante de prestação de serviço consistente na realização de despacho aduaneiro de mercadoria, em nome próprio, por parte da importadora contratada;
  3. Na importação por conta própria, sob encomenda, a destinatária jurídica é a sociedade empresária importadora (trading company), pois é quem incorre no fato gerador do ICMS com o fito de posterior revenda, ainda que mediante acerto prévio, após o processo de internalização.

Frisa-se que embora no julgado seja mencionada a figura da trading company como intermediadora/importadora na importação por encomenda, via de regra não há necessidade de que tal figura na operação seja definida nos moldes do Decreto-Lei 1.248/1972. Ademais, o acórdão, ao detalhar que o destinatário legal (ou jurídico) na importação por conta própria se coincide com o destinatário econômico pois “a importadora utiliza a mercadoria em sua cadeia produtiva”, vale ressaltar que na importação por conta própria os bens podem ter outra destinação diferente da utilização na cadeia jurídica do importador.

Por fim, o STF declarou ainda a inconstitucionalidade do artigo 11, I, “d” da Lei Complementar 87/96, que estabelecia que o local onde ocorreu a entrada física da mercadoria é que deveria ser utilizado para definição do estado ao qual o tributo é devido.

Desta forma, ainda que a decisão do STF não tenha se referido a um caso típico de importação por conta e ordem, temos que foi trazida segurança jurídica para se definir a qual estado o ICMS é devido, vez que foi definido quem é o destinatário jurídico da mercadoria importada.

Ainda que a decisão tenha sido proferida com base na sistemática de repercussão geral e vincule todas as instâncias do Poder Judiciário, que devem seguir este entendimento, o mesmo não ocorre com relação às autoridades fiscais, devendo ser editados atos normativos para regulamentar como a questão será aplicada na prática.

Em que pese o acórdão esteja pendente do julgamento dos Embargos de Declaração, é possível concluir que já há entendimento fixado sobre o tema, cabendo aos importadores e aos adquirentes das mercadorias importadas por conta e ordem a adequação das operações, uma vez que muitas empresas traçaram estratégias logísticas e eventualmente usufruem de benefícios fiscais estaduais que deverão ser reconsiderados.

 

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