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Autores:
DIEGO LUIZ SILVA JOAQUIM
GABRIELA CARDOSO TIUSSI
Classificar corretamente as mercadorias é o primeiro passo – senão o mais importante – para as operações de importação de uma empresa, uma vez que está relacionado não só com a identificação da mercadoria, mas com os tributos que incidirão na operação e com o tratamento administrativo aplicável. Não obstante, é bastante comum nos depararmos com exigências fiscais durante o despacho aduaneiro de importação para que seja efetuada a reclassificação.
No momento em que a empresa verifica tal exigência, estará sujeita a dois caminhos: concordar ou não com a reclassificação das mercadorias importadas. Na prática, o processo de despacho aduaneiro é interrompido com a formulação de exigência via Siscomex, as mercadorias ficarão retidas até que haja manifestação da empresa importadora e, considerando que esta opte por não reclassificar a mercadoria, é possível que o assunto seja discutido em processo administrativo.
De acordo com o disposto no artigo 42 da Instrução Normativa nº 680/2006[1], as exigências feitas durante o despacho aduaneiro deverão ser registradas no Siscomex e, nos casos de discordância, a empresa importadora poderá apresentar “manifestação de inconformidade” para que seja lavrado o respectivo Auto de Infração nos termos do Decreto nº 70.235/72[2].
Além disso, foi estabelecido pela Portaria MF nº 389/76 que, uma vez iniciado o litígio administrativo – o que ocorre com a impugnação ao auto de infração –, é possível que a empresa importadora obtenha a liberação das mercadorias objeto de exigência mediante a prestação de garantia através de depósito em dinheiro, caução de títulos da dívida pública federal ou fiança bancária, no valor do montante exigido[3].
Neste contexto, para que a importadora disponha de sua mercadoria será necessário garantir o valor total exigido em auto de infração, que poderá ser a diferença total de tributos, com a aplicação de multa de mora e juros, além da multa de 1% sobre o valor aduaneiro[4] por erro de classificação fiscal, multa pelo lançamento de ofício de 75% sobre a totalidade ou a diferença dos tributos nos casos de falta de pagamento[5], e eventualmente multa de 30% sobre o valor aduaneiro pela falta de Licença de Importação.
Entendemos, no entanto, que a exigência de garantia prevista pela Portaria MF nº 389 de 1976 não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Ora, exigir garantia para desembaraçar mercadorias importadas a pretexto, exclusivamente, da cobrança de créditos tributários – tributos e multas – contraria de forma flagrante os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, contraditório e vedação ao confisco.
Vejamos que a Constituição Federal trouxe, em seu artigo 5º, inciso LIV que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, assegurando assim que o Importador tenha sua prerrogativa de discussão acerca do mérito da exigência fiscal e, ainda assim, disponha de suas mercadorias. Ademais disso, é importante frisar que a reclassificação exigida pela fiscalização versa tão somente sobre a correta identificação das mercadorias para o correto recolhimento de tributos.
Ainda, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido que “o postulado constitucional do devido processo legal, em sua destinação jurídica, também é vocacionado à proteção da propriedade. Ninguém será privado dos seus bens sem o devido processo legal (STF, 1995)”[6]
Resta evidente que a Fiscalização ao exigir a reclassificação está adstrita à crédito tributário, e negar ou exigir condição para a liberação das mercadorias (direito à propriedade) é, em outras palavras, ofuscar as prerrogativas constitucionais do contraditório e da ampla defesa em processo administrativo.
Além do posicionamento acima mencionado, o STF já sumulou entendimento de que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos[7].
Ainda que na prática a Receita Federal exija a prestação de garantia, é possível verificarmos que tal exigência para que a empresa importadora tenha sua importação liberada por consequência da reclassificação tarifária é contrária ao disposto na Carta Magna e ao entendimento do Supremo Tribunal Federal. Aliás, vale a ressalva que, uma vez se tratando de créditos tributários, a Fiscalização possui seus meios administrativos para se valer de suas exigências, a saber, a lavratura do Auto de Infração e Imposição de Multa.
E, desta forma, devemos nos voltar à legislação tributária federal para demonstrar que a prestação de garantia é exigida para que a Fiscalização resguarde o recebimento do crédito tributário, ao passo que o Código Tributário Nacional, no artigo 151[8], enumera o “depósito do seu montante integral” como forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, assim como o faz para “as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo”.
Uma vez constituído o crédito tributário pelo lançamento (lavratura do Auto de Infração), não deveria a legislação impor à empresa importadora utilizar-se, necessariamente, de duas formas para suspender a exigibilidade desse crédito. Vejamos que isso ocorre na reclassificação, pois a Portaria MF nº 389 estabelece que o desembaraço das mercadorias mediante garantia decorra de litígio e, a saber, pelo artigo 14 do Decreto nº 70.235/78: “A impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento”.
Para que a empresa importadora veja a paralisação de todos os atos direcionados à cobrança do crédito tributário, na prática, é obrigada a prestar garantia (depositar o montante integral ou apresentar outra forma) e, também, impugnar o Auto de Infração. Tão somente a impugnação deveria ser suficiente para liberação das mercadorias, diferente do exigido na Portaria MF nº 389/76.
Temos, portanto, que os artigos 1º e 2º da Portaria MF nº 389/76 são incompatíveis com o preceituado na Constituição Federal e outras normas inferiores, e, se não bastasse, é rechaçado pelo STF que, inclusive, reconheceu a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio ou arrolamento de bens para interposição de recursos administrativos, quando do julgamento da ADI 1.976/DF, editando súmula vinculante nesse sentido:
Súmula Vinculante 21: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”
Considerando que a Receita Federal mantém a exigência de prestação de garantia prevista na Portaria MF nº 389/76 para os casos de reclassificação fiscal exigida durante o despacho aduaneiro e objeto de manifestação de inconformidade, o Poder Judiciário tem se posicionado no sentido de que é descabida tal exigência para assegurar o direito à liberação das mercadorias enquanto se discute a classificação fiscal em processo administrativo, in verbis:
“ADUANEIRO E TRIBUTÁRIO. MERCADORIA IMPORTADA. NOMENCLATURA COMUM DO MERCOSUL. RECLASSIFICAÇÃO E PAGAMENTO DE DIFERENÇAS TRIBUTÁRIAS DELA DECORRENTES. PRESTAÇÃO DE GARANTIA. INEXIGIBILIDADE.
É inexigível a prestação de garantia para liberação de mercadoria importada retida em face de divergências quanto à sua classificação fiscal na NCM, devendo a fiscalização lavrar auto de infração para cobrança das diferenças tributárias e multas eventualmente aplicadas. Precedentes do STJ e desta Corte.
(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5008121-33.2013.404.7208/SC, julgado em 01-02-2014)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSTO DE IMPORTACAO. QUESTIONAMENTO QUANTO À CLASSIFICAÇAO TARIFÁRIA. LIBERAÇAO DA MERCADORIA CONDICIONADA À PRESTAÇAO DE GARANTIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇAO ANALÓGICA DA SÚMULA 323/STF.
(STJ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO : AgRg no Ag 1214373 RS 2009/01557245, julgado em 06/05/2010).
Pelo exposto, resta evidenciado que a Portaria MF nº 398/76 esbarra na Constituição Federal e legislações vigentes, sendo que a norma não encontra suporte jurídico para sua aplicação e, assim, deve a empresa importadora recorrer ao judiciário quando se deparar com a exigência fiscal em razão de divergência quanto à NCM aplicada às mercadorias importadas.
***
[1] IN/RFB 680/2006, artigo 42: “As exigências formalizadas pela fiscalização aduaneira e o seu atendimento pelo importador, no curso do despacho aduaneiro, deverão ser registrados no Siscomex.
[2] Dispõe sobre o processo administrativo fiscal e dá outras providências.
[3] Portaria MF nº 389/76: “1 – As mercadorias importadas, retidas pela autoridade fiscal da repartição de despacho, exclusivamente em virtude de litígio, poderão ser desembaraçadas, a partir do início da fase litigiosa do processo, nos termos do artigo 14 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, mediante depósito em dinheiro, caução de títulos da dívida pública federal ou fiança bancária, no valor do montante exigido.”
[4] Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), artigo 711, inciso I;
[5] Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), artigo 725, inciso I;
[5] Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), artigo 706, inciso I;
[6] “Extrato de Jurisprudência” citado no livro “Constituição Federal Esquematizada em Quadros”, página 176, 1ª Edição, por Gabriel Dezen Junior.
[7] Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”
[8] Código Tributário Nacional, artigo 151: “Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; (…)”
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