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Autor:
ILSE BAUMEGGER SILVEIRA DE ANDRADE
Em uma operação interestadual, a competência para exigir o recolhimento do ICMS decorrente do desembaraço aduaneiro de mercadorias, nos casos de importação por conta e ordem de terceiros, gera relevante discussão entre os Estados e o Distrito Federal, não sendo, ainda, assunto pacificado em nossos Tribunais.
A legislação tributária aduaneira permite que a empresa adquirente da mercadoria no Brasil utilize serviços de uma empresa importadora, ou seja, há permissão legal para terceirização das operações de importação. A modalidade de importação por conta e ordem de terceiros é reconhecida e devidamente regulamentada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Referida operação está adstrita à efetiva importação pela empresa importadora em favor da empresa adquirente da mercadoria. Regida por um contrato de prestação de serviços, a operação deve ser realizada em nome da importadora (ou contratada), enquanto os recursos empregados para os respectivos pagamentos, inclusive de tributos, são responsabilidade exclusiva da adquirente (ou contratante).
Embora a empresa importadora seja contratada para proceder com o despacho aduaneiro de importação de mercadorias, poderá, ainda, prestar outros serviços relacionados à transação comercial, dentre eles, intermediação comercial, contratação de transporte e seguro, conforme disposto no artigo 1º, § único, da IN SRF nº 225/2002[1]. Mesmo assim, não se trata de operação por conta própria, mas sim de importação indireta.
Além disso, ainda que o registro da importação seja em nome da empresa importadora, é possível verificar que esta atua como mera prestadora de serviços, enquanto a adquirente é a interessada e mandante da operação de importação. Com isso, muito se questiona acerca do pagamento do ICMS na importação, uma vez que há mistura de diversos conceitos aduaneiros e tributários na operação que merecem comentários. Em especial quando a importação será precedida por uma transação interestadual.
Com referência aos tributos incidentes sobre uma operação regular de importação de mercadorias, é sabido que serão pagos no momento do registro da Declaração de Importação e, em se tratando de uma operação por conta e ordem, é responsabilidade da empresa importadora efetuar o registro da operação e, por consequência, o pagamento em nome da adquirente. Afinal, será ela quem proverá os recursos a serem aplicados na importação.
Especificamente quanto ao ICMS, a legislação vigente criou um conflito acerca do sujeito ativo do imposto. A Constituição Federal cuidou de traçar as principais diretrizes deste imposto, como seu critério material e o princípio da não-cumulatividade, deixando a cargo da Lei Complementar nº 87/96 fixar o local da operação – onde deve ser definido quem é o sujeito ativo.
Entretanto a Constituição Federal definiu que este imposto será devido ao Estado “onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço“. Em outras palavras, o disposto no artigo 155, §2º, IX, alínea ‘a’ da Carta Magna determinou que o ICMS, vinculado à Importação, é devido ao Estado onde estiver localizado o destinatário jurídico do bem.
Na importação por conta e ordem de terceiros surge o questionamento acerca da responsabilidade pelo ICMS devido na operação, pois o problema está em determinar, nos termos da lei, quem é destinatário jurídico da mercadoria: a empresa importadora, que realiza a importação, ou a empresa adquirente, que é responsável pelo pagamento da mercadoria e será real proprietária do bem importado.
Como colocado, nas importações por conta e ordem de terceiros, o destinatário da mercadoria não é o importador declarado, mas sim seu adquirente, que disponibiliza dos recursos para pagar pela mercadoria importada.
Seguindo essa linha, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu no sentindo de que o ICMS incidente na importação é devido ao Estado onde se localizar o destinatário jurídico do bem, independente da onde ocorreu o desembaraço aduaneiro. Senão vejamos:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. ESTADO EM QUE LOCALIZADO O DESTINATÁRIO JURÍDICO OU ESTADO EM QUE LOCALIZADO O DESTINATÁRIO FINAL DA OPERAÇÃO (ESTABELECIMENTO ONDE HAVERÁ A ENTRADA DO BEM). Art. 155, § 2º, IX, a, da Constituição. Nas operações das quais resultem a importação de bem do exterior, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS é devido ao estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico do bem, pouco importando se o desembaraço ocorreu por meio de ente federativo diverso. Recurso extraordinário conhecido e provido (STF – Supremo Tribunal Federal – RE – Recurso Extraordinário nº 405457/SP – Segunda Turma – Relator: Ministro Joaquim Barbosa – 04/12/2009).
Desta forma, para a operação de importação por conta e ordem de terceiros, não é relevante o Estado do importador, mas sim do adquirente, pois este é o destinatário jurídico da mercadoria.
Não obstante, a Lei Complementar nº 87/1996, em seu artigo 4º, parágrafo único[2], estabeleceu que o contribuinte do ICMS é pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade, importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja sua finalidade. Com isso, o artigo 11, inciso I, alínea “d”, da mesma lei, definiu que o local da operação, no caso de mercadoria ou bem importada do exterior, é onde ocorrer a entrada física do bem. Ora, no caso da importação por conta e ordem de terceiros, está se dará, primeiramente, no estabelecimento do importador.
Vejamos que a Instrução Normativa SRF nº 247/2002[3] dispõe que a importação por conta e ordem de terceiros conta com dois agentes: o importador e o adquirente da mercadoria. O primeiro é reconhecido como responsável pelo despacho aduaneiro, e assim sendo, ao realizar o desembaraço e a entrada física da mercadoria em seu estabelecimento, se torna contribuinte do ICMS por conta da Importação.
O texto da Lei Complementar nº 87/1996, combinado com a Instrução Normativa n° 247/2002, nos leva a interpretação de que o importador, que realiza a operação por conta e ordem de terceiros, é o sujeito passivo do ICMS. E, desta forma, o imposto é devido ao Estado onde ocorreu o desembaraço aduaneiro.
No entanto, não é o que preceitua a Constituição Federal. Resta evidente o conflito entre as normas que regem a operação!
Frisamos que está pendente de julgamento com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, o Recurso Extraordinário com Agravo nº 665.134 RG/MG, de relatoria do Ministro Edson Fachin, no qual será decidido qual Estado é competente para cobrar o ICMS vinculado à Importação na modalidade indireta.
Concluímos, assim, que o entendimento sobre o tema não é pacífico e as importações por conta e ordem de terceiros que envolvam mais de um Estado da Federação poderão gerar riscos às empresas importadoras e adquirentes, inclusive, com eventuais Autos de Infração lavrados para exigência do ICMS nas operações. Sendo assim, apesar de acreditarmos que o Supremo Tribunal Federal manterá seu posicionamento sobre o texto constitucional, o acompanhamento do referido processo passa a ser essencial para as empresas que operam nessa modalidade de importação e ficamos na expectativa que seja o fim do conflito existente na legislação.
[1] IN SRF 225/ 02; artigo 1º, § único: “Entende-se por importador por conta e ordem de terceiro a pessoa jurídica que promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial.”
[2] Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; (g.n.)
[3] Instrução Normativa que disciplina as operações por conta e ordem de terceiros.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]