Esse ano de 2023 trouxe um posicionamento jurisprudencial importante para as empresas que atuam no comércio exterior, em especial àquelas que possuem o dever de registrar as informações a respeito das mercadorias importadas no SISCOMEX. Isto, pois a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.999.532, consolidou o entendimento de que há a aplicação da prescrição intercorrente em processos administrativos que apuram a infração aduaneira (ou de índole não tributária).
A distinção entre penalidade aduaneira e tributária é importante, pois reforça o posicionamento de autonomia entre as áreas. Inclusive, pois a penalidade aduaneira que foi analisada pelo STJ tem caráter específico voltado para o controle administrativo das mercadorias importadas. É conhecido, normalmente, como multa pelo registro no SISCARGA.
Tal como bem pontuado pelo STJ, esse registro “não possui perfil tributário, porquanto, a par de posterior ao desembaraço aduaneiro” – vejamos a ementa:
[…]
III – Não obstante o cumprimento de exigências pelos exportadores e transportadores durante o despacho aduaneiro tenha por finalidade verificar o atendimento às normas relativas ao comércio exterior – detendo, portanto, cariz eminentemente administrativo -, a observância de parte dessas regras facilita, de maneira mediata, a fiscalização do recolhimento dos tributos, razão pela qual o exame do escopo das obrigações fixadas pela legislação consiste em elemento essencial para esquadrinhar sua natureza jurídica.
IV – Deflui do § 2º do art. 113 do Código Tributário Nacional que a obrigação acessória decorre da legislação tributária, reservando, desse modo, o caráter fiscal às normas imediatamente instituídas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos e afastando, por conseguinte, a atribuição de semelhante qualificação a regras cuja incidência, apenas a título reflexo, atinjam as finalidades previstas no dispositivo em exame.
V – O dever de registrar informações a respeito das mercadorias embarcadas no SISCOMEX, atribuído às empresas de transporte internacional pelos arts. 37 do Decreto-Lei n. 37/1966 e 37 da Instrução Normativa SRF nº 28/1994, não possui perfil tributário, porquanto, a par de posterior ao desembaraço aduaneiro, a confirmação do recolhimento do Imposto de Exportação antecede a autorização de embarque, razão pela qual a penalidade prevista no art. 107, IV, e, do Decreto-Lei n. 37/1966, decorrente de seu descumprimento, não guarda relação imediata com a fiscalização ou a arrecadação de tributos incidentes na operação de exportação, mas, sim, com o controle da saída de bens econômicos do território nacional.
VI – As Turmas integrantes da 1ª Seção desta Corte firmaram orientação segundo a qual incide a prescrição intercorrente prevista no art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/1999 quando paralisado o processo administrativo de apuração de infrações de índole não tributária por mais de 03 (três) anos e ausente a prática de atos de impulsionamento do procedimento punitivo. Precedentes.
VII – Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido.
(REsp n. 1.999.532/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 9/5/2023, DJe de 15/5/2023.) (g.n.)
Por isso, os procedimentos (ou processos) administrativos não podem perdurar sem movimentação por mais de três anos sob pena de resultar na chamada “prescrição intercorrente” que tem como resultado o arquivamento de ofício da pretensão punitiva por parte da Administração Pública Federal. É o que se verifica ao analisar o texto trazido pelo artigo 1º, §1º da Lei nº 9.873/1999 abaixo:
Art. 1º – Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
1º – Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. (g.n.)
Isso significa que caso o processo administrativo em que se discute a aplicação da multa por descumprimento do prazo de registro das informações no Siscomex esteja sem movimentação de qualquer natureza aguardando decisão ou julgamento por mais de três anos deverá ser arquivado de ofício ou à requerimento da empresa interessada de modo que a pretensão de punição do fisco deixe de existir.
De acordo com o julgado do STJ, restou consolidado o entendimento de que durante o curso de processo administrativo através do qual se discute a aplicação de multa por descumprimento de obrigação acessória, o prazo prescricional é de 3 (três) anos. Estando o processo pendente de julgamento além desse prazo, deve-se aplicar a prescrição intercorrente de que se tratou.
O recente posicionamento do STJ, por entender que a chamada “multa isolada” tem caráter administrativo e não administrativo-fiscal já que decorre do inadimplemento do contribuinte quanto ao seu dever de registrar informações a respeito das mercadorias embarcadas no SISCOMEX. Assim, essa distinção conceitual é o que dá causa à aplicação do artigo 1º, § 1º da Lei nº 9.873/1999[1], onde o referido prazo prescricional está previsto.
Como a decisão proferida pelo STJ não tem repercussão geral, não se trata de um precedente qualificado e, portanto, sua observância não é obrigatória para as instâncias inferiores (artigo 927 do Código de Processo Civil[2]), o que não implica diretamente aos contribuintes que já arcaram com tais multas a chance de reaver os valores pagos.
Apesar disso, trata-se de um julgado muito importante que pode colaborar, em discussões administrativas e judiciais já em curso, com a anulação das multas aduaneiras aplicadas pela Receita Federal contra empresas de comércio exterior, bem como agentes de carga, e reforça o princípio da duração razoável do processo. Segundo tal princípio, os processos não podem ficar parados na Delegacia de Julgamento da Receita Federal (DRJ) ou no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) por tempo indeterminado, sob pena de prescrição.
***
[1] § 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
[2] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.