O que devemos saber sobre a Reforma Tributária

Foto O que devemos saber sobre a Reforma Tributária

Em 15/12/2023, o Congresso Nacional aprovou a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) nº 45, que trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a Reforma Tributária. É a primeira reforma sob a égide da Constituição Federal de 1988 e sua aprovação inaugurou uma extensa sucessão de etapas que corroboram na estruturação de um novo sistema tributário.

A promulgação da Emenda Constitucional 132/23, ocorrida em 20/12/2023, unificou a cobrança de tributos federais, estaduais e municipais. Contudo, o novo sistema sobre o qual pretendemos tecer comentários ainda está repleto de lacunas legislativas a serem supridas dentro de 180 dias a partir da promulgação da referida emenda. Significa dizer, portanto, que a Reforma Tributária exigirá revisão –que entendemos será contínua – para que a cobrança de tributos tenha regras definidas.

É sabido que o sistema tributário brasileiro é – e sempre foi – bastante complexo visto que as características existentes na instituição e cobrança de impostos, taxas, contribuições envolvem um arcabouço repleto de especificidades que, sem dúvida, exige esforço por parte dos contribuintes na sua gestão.

A reforma tributária foi promulgada com a intenção de simplificar o sistema, unificando a cobrança de alguns tributos e considerando que a nova configuração para a nomenclatura de tributos e a forma de cobrança traz inúmeras alterações na dinâmica tributária hoje exercida, listamos, neste artigo, nossos comentários acerca dos pontos que entendemos serem relevantes para as empresas:

  • IVA DUAL

Iniciamos esse texto destacando que a reforma tributária propôs a unificação dos cinco tributos – ICMS (de competência estadual), ISS (de competência municipal), IPI, e as Contribuições Sociais PIS e COFINS (de competência federal) – de modo que haja cobrança única através de um imposto e uma contribuição.

O novo modelo criado foi estruturado na cobrança de tributos sobre as etapas que agregam valor ao produto e serviço, cuja nomenclatura é “IVA – imposto sobre valor agregado – Dual“, e unificará a cobrança, a partir de 2033, dos tributos da seguinte forma:

  • o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) que substituirá os atuais tributos federais PIS, COFINS e IPI e que terá administração exclusiva da União; e
  • o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) que substituirá os atuais ICMS e ISS (tributo estadual e municipal, respectivamente) e será administrado pelos estados, distrito federal e municípios.

Como comentamos, o objetivo primário da Reforma Tributária com a adoção da estrutura do imposto sobre valor agregado (IVA) reflete a intenção legislativa de simplificar a cobrança dos tributos. Isto, pois o novo modelo permitirá que seja feita a cobrança única de tributos, dividida apenas pelos níveis federal na cobrança da CBS, e estadual e municipal para o IBS. Pretende-se, com essa estrutura, que a carga tributária tenha mais transparência aos contribuintes de modo que sejam sabidos os tributos incidentes na cadeia de consumo de bens e serviços, o que estimula a economia e o crescimento do país.

Ainda que tenhamos a promulgação da Reforma, é importante destacar que o regramento que instituirá ambos os tributos acima destacados – e que compõem o IVA Dual – depende da edição de Lei Complementar, cujo texto ainda pende de elaboração e aprovação com necessidade de apoio pela maioria absoluta (mais da metade de todos os membros) tanto dos integrantes do Senado quanto da Câmara dos Deputados.

Em que pese as informações acerca da reforma tributária indiquem que a estrutura tributária para o IVA Dual manterá as mesmas definidas para os cinco tributos que serão substituídos, a publicação da lei complementar é extremamente relevante para que possamos conhecer o texto que dará base para o IVA Dual sobre a definição de fatos geradores, bases de cálculos, hipóteses de não incidência, exceções, dentre outras informações relevantes para o conhecimento da carga tributária.

Eis o motivo que introduzimos o assunto referenciando a necessidade de revisão constante, vez que a Reforma Tributária venceu sua primeira etapa – a promulgação. As definições que virão na sequência definirão o real impacto dos tributos nas operações realizadas pelas empresas, em especial na importação, industrialização e (re)venda de mercadorias.

O mesmo raciocínio se aplica para as alíquotas que incidirão no CBS e IBS. Nesse tema, a previsão que tem sido divulgada é de que as alíquotas devem ser fixadas por lei ordinária, o que significa dizer que, para a sua aprovação, será necessária aprovação do texto por maioria relativa dos membros do legislativo (mais da metade de todos os congressistas presentes na sessão) de ambas as casas do Congresso.

É importante acompanhar as movimentações do Congresso Nacional acerca desse tema para que possamos conhecer como se dará a cobrança dos IVA Dual e, compartilhamos abaixo as características que entendemos ser relevantes para o conhecimento inicial do tema pelo leitor:

  • O planejamento é que haja alíquota única para todos os bens e serviços, salvo algumas exceções. Embora ainda não esteja definida com precisão, os estudos do Ministério da Fazenda indicam que o seu percentual de referência total (IBS+CBS) deverá ser estabelecido entre 25% e 28%[1].
  • Haverá mudança na forma de cobrança dos tributos, vez que a cobrança passará a ser efetivada no local do destino da prestação do serviço ou do consumo, e não mais no local onde ocorreu a produção ou prestação do serviço, como ocorre atualmente.
  • Os tributos que o compõe (IBS e CBS) não integrarão suas próprias bases de cálculo, nem as de outros tributos que estiverem vigentes no período de transição (tributos atuais), com exceção do ICMS, ISS e o IPI.
  • Os elementos utilizados para a verificação de incidência e apuração tanto do CBS quanto do IBS serão exatamente os mesmos já utilizados: fato gerador, base de cálculo, hipótese de não incidência e imunidades, sujeitos passivos, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos, e regras de não cumulatividade.

Dentre as peculiaridades do IVA, uma bastante latente na nova sistemática implementada é a da não cumulatividade plena, que torna possível a apuração de créditos do tributo no montante cobrado nas etapas anteriores, de forma a afastar a chamada incidência em cascata (cálculo de tributo sobre tributo). Isso, contudo, ainda depende de regulamentação através da edição de lei e poderá ser condicionado à comprovação do recolhimento do tributo na etapa anterior.

Para os contribuintes envolvidos no comércio exterior, há um ponto relevante no texto da Reforma Tributária: há a tendência de oneração das importações e, em paralelo, a desoneração das exportações. Isto, porque apenas para as exportações a legislação assegurou a manutenção e aproveitamento dos créditos relativos às operações nas quais o contribuinte seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito ou serviço.

A Reforma Tributária trouxe (ou manteve) regimes fiscais favorecidos que apontamos abaixo e merecem ser elencados:

  • Simples Nacional: o contribuinte poderá optar entre um dos seguintes regimes de tributação para IBS/CBS:
    • Único, o que implicará em direito a crédito na próxima etapa da cadeia no mesmo montante do valor cobrado; ou
    • Não cumulativo geral.
  • Setor automotivo: crédito presumido da CBS até 2032, a ser reduzido 20% ao ano a partir de 2029, concedido às indústrias das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e áreas de atuação da Sudene e Sudam, dentro de certas condições, visando incentivar a produção de veículos elétricos, híbridos, flex ou movidos por biocombustíveis.
  • Biocombustíveis e hidrogênio de baixa emissão de carbono: regime fiscal favorecido que visa assegurar a tributação inferior a incidente sobre os combustíveis fósseis, e será regulamentado por lei complementar.
  • Zona Franca de Manaus (ZFM) e Área de Livre Comércio (ALC): serão regulamentados por lei complementar, a qual deverá estabelecer os mecanismos necessários, com ou sem contrapartidas, para manter o diferencial competitivo assegurado a ambas as regiões. Foi suprimida a utilização subsidiária da CIDE para assegurar o diferencial competitivo garantido à ZFM e à ALC, sendo mantido o IPI para os produtos que tenham industrialização incentivada na ZFM, conforme critérios a serem estabelecidos em lei complementar, com a ressalva de que o IPI não incidirá de forma cumulativa com o IS.

Outro ponto relevante da Reforma, são os tratamentos específicos que serão dados aos novos tributos – IBS e CBS – para algumas categorias de tributos e serviços. Ainda que tenhamos no modelo atual a existência de regimes especiais, há algumas diferenças e a Reforma prevê Regimes Fiscais específicos para os seguintes produtos e serviços, admitida a não aplicação da sistemática da não cumulatividade:

  • Combustíveis e lubrificantes: regime monofásico, com alíquotas uniformes em todo o território nacional, sendo vedada a apropriação de créditos destes produtos quando destinados à distribuição, comercialização ou revenda, sendo permitida a concessão de crédito nas aquisições por sujeito passivo do imposto.
  • Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de saúde e concursos de prognósticos: nesses casos, será admitida a não-cumulatividade, havendo possibilidade de alteração em alíquotas, regras para crédito do tributo e bases de cálculo, bem como será possível a existência de alíquotas uniformes em todo o território nacional e, também, a não-cobrança no destino.
  • Cooperativas: regime diferenciado de aproveitamento de créditos e possibilidade de não incidência sobre operações entre cooperativas e seus associados, e entre sociedades cooperativas entre si.
  • Serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol e aviação regional: será admitida a não-cumulatividade e haverá a possibilidade de alteração em alíquotas, bases de cálculo e regras de crédito do imposto.
  • Microempresas e empresas de pequeno porte: haverá a possibilidade de apuração dos tributos via regime único, além da possibilidade de apropriação de crédito pelo adquirente não optante do regime único, em montante equivalente ao cobrado do contribuinte sendo vedada, neste caso, a apropriação de créditos.
  • Operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive referentes às missões diplomáticas, repartições consulares, representações de organismos internacionais e respectivos funcionários acreditados;
  • Transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário.

 

Importa destacar que no texto promulgado, foram suprimidas algumas hipóteses anteriormente previstas no texto da Emenda, que previam enquadramento de tratamento específico também para transporte aéreo, saneamento e concessões de rodovias, operações de compartilhamento de estrutura de telecomunicações, bens e serviços de economia circular, geração e minigeração de energia elétrica.

Outro aspecto relevante é como se dará a gestão tributária do IVA Dual, em especial, na arrecadação estadual e municipal, vez que enquanto a arrecadação da CBS será exclusivamente da União, os Estados e Municípios dependerão do IBS.

Com advento dos novos tributos, e objetivando substituir o papel das administrações tributárias estaduais e municipais na sua gestão, a Reforma Tributária trouxe a previsão para que seja criado o Comitê Gestor do IBS, que deverá ser composto por 27 membros representantes dos estados e do Distrito Federal e 27 membros representantes dos municípios e do Distrito Federal.

Esse órgão será responsável por (i) fiscalizar a arrecadação do IBS, (ii) uniformizar a interpretação e aplicação da legislação cabível, (iii) deliberar sobre compensações, (iv) distribuir o que foi arrecadado entre os entes administrativos titulares e (v) decidir processos no âmbito do contencioso administrativo fiscal.

  • Imposto Seletivo (IS)

Além do IVA Dual, a Emenda Constitucional 132/23 criou outro tributo de competência federal – o chamado Imposto Seletivo (IS). Esse imposto tem por objetivo desestimular o consumo de mercadorias e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Foi apelidado do “imposto do pecado” e possui caráter estritamente extrafiscal (= regulatório). Em que pese haja a previsão constitucional, sua instituição dependerá de lei ordinária, a qual deverá apresentar mais detalhes quanto à sua estrutura e incidência.

A informação que se tem até o momento é que o IS poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos, e incidirá uma única vez sobre a produção, comercialização, importação ou extração de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, não se sujeitando, portanto, à sistemática geral da não cumulatividade. Será custo direto para as empresas a depender do produto que transacionam ou serviço que realizam, vez que não haverá créditos a serem utilizados. Além disso, há previsão de que tal imposto não incidirá sobre as exportações, com exceção da atividade de extração.

Quanto à incidência na extração dos bens, a alíquota máxima deverá ser de 1% do valor de mercado de produtos extraídos, independentemente da destinação. Entretanto, destacamos que as alíquotas serão alteráveis por lei ordinária e que o IS integrará a base de cálculo do IBS e CBS, assim como do ICMS e ISS, durante o período de transição.

Por outro lado, vale indicar que não haverá incidência do IS sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações, assim como sobre bens e serviços cujas alíquotas sejam reduzidas para IBS/CBS.

Ainda sobre tal imposto, o texto constitucional promulgado suprimiu previsão expressa de sua incidência sobre armas e munições.

Como pode ser percebido, há algumas indicações de como será aplicado o imposto sobre bens e serviços, mas existem lacunas que dependerão da promulgação de leis específicas para que possamos compreender por completo a incidência do Imposto Seletivo, em especial, com a indicação dos bens e serviços que estarão sujeitos à tal tributação.

  • Período de transição

As mudanças são bastante significativas em comparação ao modelo tributário atual e, por esse motivo, é necessário que os contribuintes tenham tempo suficiente para sua compreensão, assim como, o próprio governo consiga editar as legislações necessárias para a incidência dos tributos.

Haverá um intervalo de tempo para a implementação do novo regramento tributário compreendido entre os anos de 2026 e 2032, em que os novos tributos coexistirão com os atuais. Em outras palavras, ao mesmo tempo que haverá a incidência de IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS, também haverá a cobrança do IBS e CBS (IVA Dual) para bens e serviços.

Essa coexistência é um fragmento do denominado “período de transição” para a Reforma Tributária, a qual deverá se dar da seguinte forma:

Esse período reflete a importância de realizar uma implementação gradual dos tributos e de forma sincronizada com a extinção dos demais, não apenas para prover tempo de adaptação aos contribuintes quanto à nova sistemática instituída ou para edição das legislações necessárias, mas, também, para assegurar que seja mantida a arrecadação dos tributos nos mesmos montantes atuais: apesar de existirem menos tributos, não haveria menos dinheiro a ser recolhido aos cofres públicos e espera-se que enquanto os tributos coexistam, não haja aumento da carga tributária.

Conclusão

A Reforma Tributária, aguardada há cerca de 40 anos, traz grandes mudanças ao substituir os tributos aos quais já estamos familiarizados. Ademais, seu período de transição será desafiador, vez que as alterações serão graduais e haverá coexistência de tributos (atuais e novos) em algumas das etapas do processo de transição.

Somado a este cenário, temos, até o momento, mesmo após a promulgação do seu texto final, informações demasiado genéricas, pois muitos dos pontos que determinarão a forma da transição ainda estão pendentes de regulamentação legislativa – o que, salvo melhor juízo, pode vir a causar ainda muitos questionamentos, inclusive em âmbito judicial.

Dessa forma, nos resta aguardar os próximos passos da Reforma Tributária para entendermos melhor, e de forma mais completa, as balizas e os detalhes de todas as mudanças que estão por vir.

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[1] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/estudos/8-8-23-nt-mf_-sert-aliquota-padrao-da-tributacao-do-consumo-de-bens-e-servicos-no-ambito-da-reforma-tributaria-1.pdf. Acesso em 10/01/2024

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