Classificação fiscal de mercadorias e o litígio administrativo

Foto Classificação fiscal de mercadorias e o litígio administrativo

 

Ao longo do mês de janeiro de 2024, tratamos sobre a relevância da correta descrição nos processos de importação de mercadorias, como pode ser visto no informativo DJA de janeiro[1]. Desta vez, abordamos o assunto sob a ótica dirigida à fase contenciosa – momento em que o importador se vê diante de questionamentos no curso do despacho aduaneiro ou, ainda, com a lavratura de Auto de Infração para cobrança de tributos e multas.

Como temos indicado, a primeira e mais recomendada forma de se tratar a classificação fiscal das mercadorias é através da abordagem preventiva, na qual se busca o entendimento acerca da mercadoria para que seja definido o correto e bem fundamentado enquadramento na NCM, assim como, para que seja acompanhado da mais adequada descrição da mercadoria. Com tais informações, as operações de importação se tornam mais seguras ao importador.

Ainda que o importador faça a análise da classificação fiscal de suas mercadorias adequadamente, por vezes essa definição pode ser subjetiva e não há como garantir que, iniciado o despacho aduaneiro, não haverão questionamentos pela Autoridade Aduaneira sobre tal ponto.

Essa possibilidade exige que o NCM declarado esteja devidamente fundamentado de acordo com as Regras de Interpretação do Sistema Harmonizado, Notas Explicativas, e eventuais soluções de consulta, decisões em processo administrativo ou, ainda, entendimentos proferidos por outros países. Essa é a base para que se tenha êxito em eventual divergência acerca da classificação fiscal adotada ou descrição declarada.

Para que possamos explorar o contencioso administrativo sobre a classificação fiscal de mercadorias, trataremos dos possíveis desdobramentos que tal assunto pode promover:

Começaremos pela exigência fiscal no curso do despacho aduaneiro. Isto, pois conforme prevê a IN nº 680/06[2], o registro da Declaração de Importação (DI) inicia o despacho aduaneiro em que a fiscalização realiza o controle aduaneiro através da análise fiscal e conferência aduaneira de acordo com os canais de parametrização abaixo:

I – verde, pelo qual o sistema registrará o desembaraço automático da mercadoria, dispensados o exame documental e a verificação da mercadoria;

II – amarelo, pelo qual será realizado o exame documental, e, não sendo constatada irregularidade, efetuado o desembaraço aduaneiro, dispensada a verificação da mercadoria;

III – vermelho, pelo qual a mercadoria somente será desembaraçada após a realização do exame documental e da verificação da mercadoria; e

IV – cinza, pelo qual será realizado o exame documental, a verificação da mercadoria e a apuração de elementos indiciários de fraude.

A normativa indica que a seleção ocorre através de gerenciamento de riscos que, dentre outros elementos, considera as “características das mercadorias” para seleção da conferência. Importa pontuar que, independentemente da parametrização da mercadoria, a responsabilidade pela classificação declarada é do importador e a Autoridade tem a prerrogativa de questionar a NCM indicada no processo de importação, vez que toda a operação é passível de revisão aduaneira[3], a qual pode vir a ocorrer após o desembaraço, devendo ser concluída dentro do prazo máximo de 05 anos a partir do registro da DI, momento em que é apurado a regularidade declarada na operação[4].

Assumindo que a fiscalização tenha alguma dúvida ou questionamento sobre a NCM e descrição declarada, deve registrar sua exigência no Siscomex – o que normalmente ocorre quando a parametrização se dá em canal amarelo ou vermelho. Caso o importador entenda que a exigência não merece prosperar, esse procedimento assegura que este possa apresentar manifestação e justificativa para manutenção do declarado na DI. Nesse casos, recomendamos que o importador apresente petição explicativa sobre a mercadoria, sobre os fundamentos legais que foram analisados para a definição da classificação fiscal, explicando as regras de interpretação do Sistema Harmonizado e, se necessário, anexando documentos técnicos complementares.

O próximo passo após a manifestação do importador é a análise pela fiscalização que deverá ocorrer através do Siscomex. Caso a Autoridade continue discordando do enquadramento da mercadoria em análise na classificação fiscal indicada ou sobre a descrição declarada, deverá apontar nova exigência[5] determinando a retificação da Declaração de Importação para que conste o NCM que julga mais adequado e as razões que fundamentam seu entendimento, ou, ainda, a característica da mercadoria que deve conter na descrição.

Cada processo deve ser tratado de forma individual e já atuamos em casos que a manutenção do NCM demandou que fossem apresentadas três petições explicativas sobre a mercadoria. Contudo, caso o entendimento da fiscalização se mantenha divergente, ao importador caberá apresentar sua Manifestação de Inconformidade, oportunidade onde deverá requerer seja lavrado Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) para que, diante dele, possa se dar início à fase litigiosa do procedimento fiscal de forma que a classificação fiscal e descrição serão analisadas em processo administrativo – em primeira instância pela Delegacia da Receita Federal de Julgamentos (DRJ) e, em segunda, pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), dependendo do valor envolvido.

A defesa do importador se dá através do protocolo de sua impugnação, na qual deverão ser exploradas as razões que fundamentam a discordância e solicitadas eventuais diligências que se julgue necessárias. É o momento, inclusive, que se inicia o litígio e em que deve ser apresentada sua prova documental, sob pena de não ter mais o direito de apresentá-la (o que chamamos de “preclusão”).

Cabe neste momento um destaque de que, até a apresentação da Impugnação, a mercadoria permanece indisponível ao importador, vez que apenas após iniciado o litígio é viável o depósito administrativo da diferença do valor dos tributos exigidos dada a reclassificação fiscal, o que deve, por lei, autorizar a liberação da mercadoria. Até então, diversos custos ao importador são ocasionados, tais como os derivados da armazenagem, eventual sobreestadia de contêiner (demurrage) e os imensuráveis, que resultam das relações contratuais, muitas vezes mais relevantes do que aquelas envolvidas na operação aduaneira.

Apesar de discordarmos com a imposição da exigência de depósito administrativo para liberação das mercadorias – o que por muitas vezes gera discussões judiciais com pedidos liminares para que se autorize a liberação da carga sem a necessidade da prestação de garantia – esta é a situação usualmente percebida. Por esse motivo, salta aos olhos a importância de uma correta e substancial classificação fiscal. Apesar de isso não extinguir com a possibilidade de litígio, faz, sem dúvidas, com que haja menor probabilidade de inconsistências diante de eventual necessidade de esclarecimentos frente à Aduana.

Outro momento relevante para o litígio sobre a classificação fiscal de mercadorias é quando, após o desembaraço da mercadoria, a fiscalização atua em revisão aduaneira. Nesse momento, o importador pode se deparar diante de: (i) procedimento de fiscalização em que há intimação para apresentar informações ou detalhes sobre as mercadorias importadas; (ii) provocação da RFB para que o importador proceda com a autorregularização através da retificação das Declarações de Importação, o que tem ocorrido com mais frequência; ou (iii) intimação do Auto de Infração que tenha sido lavrado para a cobrança de tributos e multas.

Uma vez iniciado o processo administrativo fiscal para discussão da classificação fiscal de mercadorias – seja após apresentado os documentos no procedimento de fiscalização, seja pela lavratura do Auto de Infração – deve o importador sempre demonstrar as explicações da NCM e descrição das mercadorias importadas, assim como, desconstituir o NCM exigido pela fiscalização. Além disso, deve se atentar às questões formais do Auto de Infração que possam ser passíveis de nulidade.

Como se percebe, os possíveis desdobramentos derivados de discussão sobre a classificação fiscal de mercadorias em operações de importação são diversos e podem apresentar alto impacto ao importador, que, além da demora na liberação e outros tantos prejuízos, deve prestar em garantia o valor da diferença dos tributos exigidos para ter liberada a sua mercadoria e poder seguir discutindo sobre o assunto em esfera administrativa.

Ciente quanto à complexidade dos trâmites administrativos vinculados e sobre a urgência inerente às operações de importação, independente da fase em que se encontrem, temos orientado e assessorado nossos clientes sobre o tema e estamos à disposição para tratar os litígios que porventura ocorram no curso do despacho aduaneiro, inclusive quando são questionamentos sobre a classificação fiscal de mercadorias.

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[1] Disponível em: https://app.rdstation.email/mail/7f961d1c-b9d9-4a2f-b371-77892bb09296?utm_campaign=newsletter_-_janeiro23&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

[2] Art. 15. O registro da DI caracteriza o início do despacho aduaneiro de importação, e somente será efetivado (…)

[3] Regulamento Aduaneiro – Art. 638.  Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de 1988, art. 2o; e Decreto-Lei nº 1.578, de 1977, art. 8º).

  • 1º Para a constituição do crédito tributário, apurado na revisão, a autoridade aduaneira deverá observar os prazos referidos nos arts. 752 e 753.
  • 2º A revisão aduaneira deverá estar concluída no prazo de cinco anos, contados da data:

I – do registro da declaração de importação correspondente (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 54, com a redação dada pelo Decreto-Lei no 2.472, de 1988, art. 2o); e

II – do registro de exportação.

  • 3º Considera-se concluída a revisão aduaneira na data da ciência, ao interessado, da exigência do crédito tributário apurado.

[4] Regulamento Aduaneiro, Decreto nº 6.759/2009, art. 638: “Art. 638.  Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo importador na declaração de importação, ou pelo exportador na declaração de exportação”.

[5] Art. 42. As exigências formalizadas pela fiscalização aduaneira e o seu atendimento pelo importador, no curso do despacho aduaneiro, deverão ser registrados no Siscomex. (…)

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