A inconstitucionalidade da majoração da Taxa Siscomex reconhecida pelo STF, o direito à restituição e outras repercussões

Foto A inconstitucionalidade da majoração da Taxa Siscomex reconhecida pelo STF, o direito à restituição e outras repercussões

Por Diego Luiz Silva Joaquim

O Supremo Tribunal Federal enfim pacificou o entendimento pela inconstitucionalidade do aumento da Taxa de Utilização do Siscomex trazido pela Portaria MF nº 257/2011. Assunto de bastante relevância para as empresas que operam no comércio exterior através da importação de mercadorias, e que tem sido objeto de litígios judiciais em virtude da incorreta majoração trazida pela referida norma.

Vejamos o acórdão nº 1.258.934 proferido pelo STF em sede de repercussão geral:

“EMENTA.

Recurso Extraordinário. Tributário. Taxa de utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). Majoração da base de cálculo por portaria ministerial. Delegação legislativa. Artigo 3º, §2º, da Lei nº 9.716/1998. Princípio da legalidade Ausência de balizas mínimas definidas em lei. Atualização. Índices oficiais. Possibilidade. Existência de repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência da corte sobre o tema.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.” (g.n.)

Apesar da ótima notícia para os importadores, o acórdão trouxe à tona diversos questionamentos como: (i) haverá atualização do valor da Taxa pelos índices oficiais? (ii) haverá aplicação imediata nas importações? (iii) é possível pleitear a restituição dos valores pagos indevidamente sem ação judicial?

Pois bem, essa é a missão proposta nesse artigo: compartilhar reflexões de modo a responder os questionamentos acima apontados, analisar a manifestação trazida pelo julgamento do STF e suas repercussões.

Iniciaremos com uma breve introdução sobre o tema.

  1. Breve síntese

Atualmente utilizado por todos os intervenientes no comércio exterior, o Siscomex “é o instrumento administrativo que integra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de comércio exterior, mediante fluxo único, computadorizado, de informação”, instituído pelo Decreto nº 660/92.

Com a criação do módulo de importação em 1997, todas as operações passaram a ser submetidas ao despacho aduaneiro através do registro da respectiva Declaração de Importação (DI) no Siscomex, como ato inicial do procedimento administrativo para nacionalização das mercadorias[1].

Até que, em 1998, foi editada a Lei nº 9.716/98 instituindo a Taxa de Utilização do Siscomex e submetendo os importadores a cobrança pelo registro da Declaração de Importação, à razão de: R$ 30,00 (trinta reais) por DI; e R$ 10,00 (dez reais) para cada adição de mercadorias à DI, observado os limites instituídos pela Receita Federal do Brasil. Eis o que dispõe a legislação:

“Art. 3o Fica instituída a Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX, administrada pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

§1º A taxa a que se refere este artigo será devida no Registro da Declaração de Importação, à razão de:

I – R$ 30,00 (trinta reais) por Declaração de Importação;

II – R$ 10,00 (dez reais) para cada adição de mercadorias à Declaração de Importação, observado limite fixado pela Secretaria da Receita Federal.

§2o Os valores de que trata o parágrafo anterior poderão ser reajustados, anualmente, mediante ato do Ministro de Estado da Fazenda, conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no SISCOMEX.” (g.n.)

Pelo exposto, temos que o registro da DI é fato gerador da referida taxa que é automaticamente cobrada do importador quando submete suas mercadorias ao despacho aduaneiro de importação no Siscomex. E, conforme se verifica pelo disposto no §2º acima mencionado, a legislação permite que os valores sejam reajustados, anualmente, conforme a variação dos custos de operação e dos investimentos no Siscomex.

Ocorre que, em 2011, o Ministério da Fazenda publicou a Portaria MF nº 257/2011 alterando o valor cobrado pela Taxa de Utilização do Siscomex a pretexto de “reajuste”, o que resta evidente ter sido feito de maneira ilegal e desproporcional, pois majorou a taxa em índice superior à 500% trazendo os valores abaixo:

“O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, (…), resolve:

Art. 1º – Reajustar a Taxa de Utilização do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), devida no Registro da Declaração de Importação (DI), de que trata o parágrafo 1º do artigo 3º da Lei nº 9.716, de 1998, nos seguintes valores:

I – R$ 185,00 (cento e oitenta e cinco reais) por DI;

II – R$ 29,50 (vinte e nove reais e cinquenta centavos) para cada adição de mercadorias à DI, observados os limites fixados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).

Art. 2º – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.” (g.n.)

A partir de então, a Taxa de Utilização do Siscomex passou a ser cobrada no valor de R$ 185,00 por DI e R$ 29,50 por adição. Em decorrência, os limites fixados pela Receita Federal do Brasil sobre o valor cobrado pelas adições foram alterados pela IN RFB nº 1.158/11 de modo que: até a 2ª adição, o valor é R$ 29,50; da 3ª à 5ª, R$ 23,60; da 6ª à 10ª, R$ 17,70; da 11ª à 20ª, R$ 11,80; da 21ª à 50ª, R$ 5,90; e a partir da 51ª, R$ 2,95.

O aumento foi levado ao judiciário. Eis a discussão: pode o Ministério da Fazenda, sob o pretexto de “reajuste”, aumentar a Taxa de Utilização do Siscomex através de Portaria do Ministério da Fazenda, sem observar o disposto na própria Lei nº 9.716/98 ou, ainda, sem observar os índices oficiais de correção monetária?

Há muitas perguntas a serem respondidas, e para isso, é preciso analisar o julgado do STF e demais jurisprudências favoráveis aos importadores.

  1. Da jurisprudência e o entendimento firmado pelo STF

Como vimos, o Supremo Tribunal Federal, ao proferir o Acórdão nº 1.258.934, o fez reafirmando a jurisprudência dominante sobre a matéria da própria Corte. Isso, pois o posicionamento da 1ª e 2ª Turmas era favorável à inconstitucionalidade da majoração da Taxa de Utilização do Siscomex trazida pela Portaria MF nº 257/2011.

Eis os julgados:

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TAXA DE UTILIZAÇÃO DO SISCOMEX. MAJORAÇÃO POR PORTARIA DO MINISTÉRIOS DA FAZENDA. AFRONTA À LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.

      1. É inconstitucional a majoração de alíquotas da Taxa de Utilização do SISCOMEX por ato normativo infralegal. Não obstante a lei que instituiu o tributo tenha permitido o reajuste dos valores pelo Poder Executivo, o Legislativo não fixou balizas mínimas e máximas para uma eventual delegação tributária.
      2. Conforme previsto no art. 150, I, da Constituição, somente lei em sentido estrito é instrumento hábil para a criação e majoração de tributos. A Legalidade Tributária é, portanto, verdadeiro direito fundamental dos contribuintes, que não admite flexibilização em hipóteses que não estejam constitucionalmente previstas.
      3. Agravo regimental a que se dá provimento tão somente para permitir o processamento do recurso extraordinário.

(STF, 1ª Turma, Recurso Extraordinário 959.274/SC-AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, Relator para acórdão Ministro Roberto Barroso, DJe de 13/10/17) (g.n.)

 “Agravo regimental no recurso extraordinário. Taxa SISCOMEX. Majoração. Portaria. Delegação. Artigo 3ª, §2º, Lei nº 9.716/98. Ausência de balizas mínimas definidas em lei. Princípio da legalidade. Violação. Atualização. Índices oficiais. Possibilidade.

      1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem acompanhado um movimento de maior flexibilização do Princípio da Legalidade em matéria de delegação legislativa, desde que o legislador estabeleça o desenho mínimo que evite o arbítrio.
      2. Diante dos parâmetros já traçados na jurisprudência da Corte, a delegação contida no art. 3º, §2º, da Lei nº 9.716/98 restou incompleta ou defeituosa, pois o legislador não estabeleceu o desenho mínimo que evitasse o arbítrio fiscal.
      3. Esse entendimento não conduz a invalidade da taxa SISCOMEX, tampouco impede que o Poder Executivo atualize os valores previamente fixados na lei, de acordo com os índices oficiais, conforme amplamente aceito na jurisprudência da Corte.
      4. Agravo regimental não provido.
      5. Não se aplica ao caso dos autos a majoração dos honorários prevista no art. 85, §11, do novo Código de Processo Civil, uma vez que não houve o arbitramento de honorários sucumbenciais”

(STF, 2ª Turma, Recurso Extraordinário 1.095.001/SC-AgR, DJe de 28/5/18) (g.n.)

Tais julgados deram base para o acórdão mencionado do STF, definindo a inconstitucionalidade do aumento da Taxa de Utilização do Siscomex trazido pela Portaria MF nº 257/2011, tendo tal entendimento sido firmado em repercussão geral.

Para que possamos avançar à análise do julgamento, é preciso destacar o que representa o julgamento em repercussão geral: introduzido no ordenamento jurídico através da Emenda Constitucional nº 45, o instituto da repercussão geral tem como premissa a uniformização do entendimento, de modo que a decisão proferida pelo STF tenha repercussão em todos os processos em trâmite no âmbito do Poder Judiciário. Assim, a tese jurídica definida pelo STF será (leia-se, deverá ser) aplicada em todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito ou, ainda, em casos futuros – é o que ensina os artigos 985 e 987 do Código de Processo Civil[2].

E, o próprio julgado assevera que tal entendimento poderá ser seguido pelos órgãos julgadores pátrios, o que pode ser entendido como referência, também, aos tribunais administrativos que seguem tal entendimento, senão vejamos: “As múltiplas decisões proferidas sobre essa matéria pelos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal tornam recomendável que o Tribunal estenda esse entendimento, objeto de pacífica jurisprudência em ambas as Turmas desta Corte, à sistemática da repercussão geral, com todos os benefícios daí decorrentes, notadamente com a fixação de tese a ser observada pelos demais órgãos julgadores pátrios”. (g.n.)

Assim, a extensão do julgado do STF alcançará os processos judiciais, bem como, poderá ser observada pelos órgãos administrativos após o trânsito em julgado da decisão.

Vejamos que o STF julgou o tema em sede de Recurso Extraordinário proposto pela empresa importadora, em que o Tribunal de origem (TRF da 4ª Região – Santa Catarina), “assentou a ilegalidade do reajuste da taxa de utilização do Siscomex promovido pela Portaria MF nº 257/2011 em variação superior a inflação, ficando restrita a legalidade da exigência ao reajuste de 131,60%, por sua vez correspondente à variação de preços, medida pelo INPC, entre janeiro de 1999 e abril de 2011”. E, contrário à tal posicionamento, o importador “almeja expurgar completamente os efeitos da Portaria MF nº 257/2011, o que inclui o percentual de 131,60%, a título de correção monetária, haja vista que os valores históricos de recolhimento da taxa de utilização do Siscomex já seriam suficientes para custear a atividade estatal de fiscalização”.

Dentre as questões propostas perante o STF estavam a constitucionalidade do aumento da taxa e, também, a aplicação do índice INPC no caso em tela, para que os valores da taxa fossem reajustados em 131,60%, sendo que o Ministro Relator finaliza a manifestação nos seguintes termos:

“Ante o exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da matéria constitucional, pela ratificação da pacífica jurisprudência do Tribunal e, consequentemente, pelo não provimento do recurso extraordinário, de modo a se manter o acórdão recorrido quanto à possibilidade de correção monetária da base de cálculo da taxa de utilização do Siscomex em patamar não superior aos índices oficiais.

Proponho, por fim, a seguinte tese de julgamento:

A inconstitucionalidade de majoração excessiva de taxa tributária fixada em ato infralegal a partir de delegação legislativa defeituosa não conduz à invalidade do tributo nem impede que o Poder Executivo atualize os valores previamente fixados em lei de acordo com percentual não superior aos índices oficiais de correção monetária”.

Com isso, há algumas considerações a serem feitas:

  • Os processos judiciais em trâmite ou aqueles que serão ajuizados futuramente, deverão seguir o posicionamento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, porquanto a legislação se mantiver nos termos vigentes, a decisão do STF não tem efeito extensivo a importadores sem que haja a busca pelos direitos na esfera judicial.
  • A decisão do STF não será (ou não pode ser) aplicada automaticamente no registro das Declarações de Importação, sem que haja decisão judicial específica (individual ou coletiva) para esse fim. O reconhecimento do direito à cobrança inconstitucional pressupõe ação judicial, sendo que o posicionamento do STF não produz efeitos na legislação vigente.
  • Pelo disposto na legislação[3], o julgado do STF, após o trânsito em julgado, será observado em julgamento de processos administrativos que versarem sobre o tema, como é o caso do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

E, analisando o acórdão, resta evidente o reconhecimento da majoração irrazoável da taxa de utilização do Siscomex sem parâmetro legal para o aumento definido em lei, mas o julgado deixa notório que tal ilegalidade não impede o Poder Executivo atualizar os valores precisamente fixados na legislação de acordo com os índices oficiais – no caso em análise, manteve-se o índice INPC firmado no juízo de origem.

Partimos, então, para outra reflexão sobre o tema: a inconstitucionalidade reconhecida pelo STF está limitada à majoração trazida para a taxa, o que significa dizer que os valores atribuídos pela Portaria MF nº 257/2011 não são devidos, mas isso não impede que o Poder Executivo os atualize. E esse ponto se levanta, pois qual o índice que deve ser utilizado?

A leitura e análise do acórdão nos levam ao entendimento que dependerá do juízo de origem. O acórdão é claro ao pontuar que eventuais controvérsias sobre prescrição, correção monetária, juros, compensação ou levantamento de depósito não são matérias de cunho constitucional e devem ser examinadas pelo Juízo de origem – vejamos o trecho da decisão nesse sentido:

“Naquela feita, também destaquei que eventuais controvérsias relativas à prescrição, à correção monetária, aos juros, à compensação ou ao levantamento de eventual depósito judicial devem ser examinadas pelo juízo de origem de acordo com a jurisprudência do STF, de modo que não desafia a competência extraordinária desta Corte a higidez da utilização do INPC na espécie pelo acórdão recorrido(g.n.)

E nos parece incoerente afirmar, tão somente pela decisão do STF, que o INPC é o índice correto para a atualização da Taxa de Utilização do Siscomex. Vimos que o STF não analisou se a aplicação desse índice está correta, mas tão somente manteve o julgado do Tribunal Regional Federal que proferiu a decisão combatida e paradigma do julgamento sob argumento de que tais controvérsias deverão ser examinadas pelo juízo de origem.

Há, no entanto, posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recursos repetitivos (REsp nº 1.492.221) apontando os índices INPC e o IPCA-E como capazes de captar o fenômeno inflacionário.

Ademais, o TRF da 4ª Região, ao julgar o processo paradigma que foi julgado pelo STF, assim tratou a questão do índice:

“Cumpre salientar que utiliza-se o INPC como índice de atualização porque, de acordo com o disposto no art. 97, §2º do CTN, até o limite da inflação apurada no período o aumento do valor da Taxa Siscomex não constitui propriamente majoração de tributo e, portanto, não estaria eivado de ilegalidade.

Trata-se de uma solução construída, que procura o meio-termo entre os interesses das partes. Por isso, elegeu-se o INPC, que é índice puramente de correção monetária, ao passo que seria descabido aplicar-se, por exemplo, a Taxa Selic, que é taxa de juros. Foi o INPC escolhido, entre outros tantos, porque, além de ser índice oficial (estabelecido pelo IBGE) é justamente um dos principais indicadores da variação mensal de preços, medindo a variação do custo de vida das famílias com chefes assalariados e com rendimento mensal compreendido entre 1 e 5 salários-mínimos, o que representa aproximadamente 50% das famílias brasileiras. Como não se trata de índice de preços setoriais, mostra-se o mais adequado para o caso examinado. (…)” (g.n.)

Com esse raciocínio frisamos que, segundo nosso entendimento, o direito da inconstitucionalidade das definições trazidas pela Portaria MF nº 257 à Taxa de Utilização do Siscomex deve ser buscado pelas empresas no âmbito judicial enquanto perdurar vigente a legislação nos moldes atuais, uma vez que mesmo com o posicionamento do STF, os aspectos quantitativos poderão ser definidos em julgamentos infraconstitucionais.

Assim, passamos a perguntas como: haverá atualização do valor da taxa pelos índices oficiais? Ou ainda: se sim, qual é o índice a ser utilizado?

O STF foi claro no sentido de que tais questões serão decididas pelos juízos de origem, apesar de negar provimento ao Recurso Extraordinário em que a empresa importadora buscava expurgar completamente o reajuste de 131,60% definido no seu processo (com base no INPC). Ainda que me pareça uma tendência, tal entendimento pode não ser aplicado em todos os casos e, inclusive, há posicionamento judicial garantindo a inconstitucionalidade em que a empresa importadora utilizará os valores definidos pela Lei nº 9.716/98. Ouso pensar que se a discussão sobre o índice se mantiver no judiciário, me parece que o STJ definirá pelo INPC, com base em julgados do próprio Tribunal Superior.

Sob outra ótica, ao verificarmos o texto proferido pelo STF, nota-se que é permitido ao Poder Executivo realizar a atualização da taxa, o que, por delegação de competência, poderá ser efetivado pela Receita Federal. A atualização do valor monetário da base de cálculo de um tributo não depende da edição de lei, nos termos do artigo 97, §2º do Código Tribunal Nacional, que assim dispõe: “Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”.

 E, segundo ensina Leandro Paulsen[4]:

“Atualização monetária e legalidade. Exige-se lei para a instituição e majoração de tributos (150, I, CF). O aspecto quantitativo da obrigação tributária (o quantum devido) é determinado, via de regra, pela definição de uma base de cálculo e de uma alíquota. Para que seja corrigida monetariamente a base de cálculo, faz-se necessário previsão legal, conforme têm entendido os tribunais. A exigência de lei, contudo, não alcança a definição do indexador para atualização monetária. A lei prevê, pois, que haverá correção, e isso é suficiente. Se a própria lei não definir o indexador, não haverá óbice a que ato normativo o faça, pois não estaremos cuidando de instituição ou majoração de tributo.” (g.n.)

Ora, se a lei não precisa definir o indexador para a atualização monetária, a mera previsão na lei que instituiu o tributo de que é possível a correção monetária (tal como substanciada pelo julgado do STF) é suficiente para que o poder Executivo efetive a atualização.

Com esse raciocínio, entendemos que o Ministério da Economia (ou, por delegação de competência, a Receita Federal do Brasil) deveria editar ato normativo para aplicação da correção monetária sobre a Taxa de Utilização do Siscomex, desde que não ultrapassasse os índices oficiais. No entanto, havendo ação judicial, caberá ao Poder Judiciário definir a correta aplicação de correção monetária que, segundo o STF, não é matéria constitucional.

Inclusive, é evidente que o Supremo Tribunal Federal tem pacífico entendimento que o Poder Executivo pode atualizar a Taxa de Utilização do Siscomex, utilizando-se de índices oficiais. A delegação de competência é clara. Assim, havendo ação judicial, o índice será decidido pelo Juízo competente e, não havendo, é permito ao Poder Executivo atualizar os valores, o que dependerá de ato normativo para alterar a Portaria MF nº 257/2011 ou, ainda, estabelecer o índice oficial a ser utilizado.

De todo modo e respeitando entendimentos diversos, chancelou-se a adoção de índices oficiais de correção monetária como balizas para a atualização do valor do tributo. Havendo previsão no julgado do STF e falta de definição pela Lei nº 9.716/98, haverá que se estabelecer o índice através de ato normativo por parte do Poder Executivo ou, então, pelo Juízo de origem em caso de o tema ser discutido no âmbito judicial.

Por fim, há a questão da restituição dos valores pagos indevidamente e, pergunta-se: (i) é permitido pleitear a restituição dos valores pagos indevidamente sem ação judicial? (ii) qual índice seria aplicado nesse caso?

Cumpre destacar que nossa orientação, considerando a interpretação dada pelo STF e apoiando-se em uma visão conservadora, é que a recuperação dos valores pagos indevidamente seja amparada por decisão judicial, inclusive em decorrência da incerteza quanto ao índice de correção monetária a ser utilizado. Isto, pois a empresa interessada em reduzir o valor da Taxa de Utilização do Siscomex para suas operações futuras de importação, deverá necessariamente se socorrer de ação judicial.

Contudo, respeitando opiniões divergentes, há argumentos técnicos para pleitear a restituição ou compensação tributária dos valores pagos indevidamente a título da Taxa de Utilização do Siscomex nos últimos 05 anos diretamente na esfera administrativa através do Pedido de Restituição ou da Declaração de Compensação. Para isso, a empresa deverá pautar-se no risco de indeferimento e discussão do tema em processo administrativo, o que resultaria no julgamento pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que, nos termos do artigo 62 do Regimento Interno do órgão, deve aplicar o entendimento do STF quanto à inconstitucionalidade da majoração. Entendemos que nesse caso, a atribuição do índice ficaria à critério exclusivo do Fisco.

Finalizando, entendemos que a empresa importadora ao buscar a compensação tributária sem decisão judicial que a ampare pode utilizar índice que eventualmente será questionado no prazo de 05 (cinco) anos – tempo que a Receita Federal possui para homologar o pedido de compensação. E, em virtude do posicionamento do STF atribuindo a responsabilidade por essa definição ao juízo de origem, entendemos prudente utilizar a esfera judicial em estratégia que garanta a compensação, já que é necessário para redução da taxa nas operações futuras.

Por certo a indefinição quanto ao índice a ser aplicados na atualização da Taxa de Utilização do Siscomex poderá gerar maiores questionamentos, inclusive no Judiciário. Refletindo o até então apresentado, reforçamos nosso entendimento de que tal tema ainda deve ser analisado pelo Poder Judiciário em nível infraconstitucional.

***

 

[1] Decreto nº 6.759/2009: “Artigo 545 – Tem-se por iniciado o despacho de importação na data do registro da declaração de importação. § 1º – O registro da declaração de importação consiste em sua numeração pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio do SISCOMEX. (…)”

[2] Código de Processo Civil: “Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; II – aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986. (…) Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso. § 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida. § 2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.”

[3] Regimento Interno do CARF, artigo 62.

[4] PAULSEN, Leandro. Constituição e código tributário comentados à luz da doutrina e da jurisprudência. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017, página 884.

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