A inclusão da capatazia no valor aduaneiro das mercadorias: posicionamento da União

Autora:
GABRIELA CARDOSO TIUSSI

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Desde a edição da Instrução Normativa SRF nº 327/2003, que determinou a inclusão da capatazia no valor aduaneiro (base de cálculo do imposto de importação e demais tributos incidentes na importação), há intensa discussão acerca da sua legalidade, visto que contraria o disposto no Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT, especificamente o Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT, comumente chamado de Acordo de Valoração Aduaneira ou AVA – GATT. A obrigatoriedade imposta pela IN SRF nº 327/2003 contraria, inclusive, o disposto no próprio Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009).

Por tal motivo, muitos importadores têm recorrido ao judiciário para buscar a declaração da ilegalidade da inclusão da capatazia no valor aduaneiro das mercadorias importadas, tendo sido, inclusive, editada a súmula nº 92, em 05/09/2016, pelo Tribunal Regional da 4ª Região, determinando que “o custo dos serviços de capatazia não integra o ‘valor aduaneiro’ para fins de composição da base de cálculo do imposto de importação”.

Há, inclusive, majoritário posicionamento dos Tribunais Regionais e do Superior Tribunal de Justiça no sentido de julgar ilegal a determinação da IN SRF nº 327/2003 e garantir a exclusão da capatazia no cômputo do valor aduaneiro, para fins de cálculo dos tributos incidentes na importação de mercadorias do exterior.

No entanto, para que os contribuintes-importadores possam deixar de incluir a capatazia no valor aduaneiro e, por sua vez, reduzir a base de cálculo dos impostos incidentes na importação (II, IPI, PIS, COFINS e também ICMS, vez que todos possuem o valor aduaneiro como base ou parte de sua base de cálculo), é necessária a tutela jurisdicional, ou seja, a Receita Federal permanece exigindo tal inclusão nas importações, visto que a legislação não fora alterada, e os importadores devem se valer de decisão judicial para resguardar seus direitos.

Ocorre que, inobstante as inúmeras decisões judiciais favoráveis aos contribuintes, inclusive em conformidade com o entendimento já exposto pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ e a consequente publicação de súmula pelo TRF da 4ª Região, a União Federal mantém o entendimento pelo qual a inclusão de tais despesas no valor aduaneiro é legítima, com base nos fundamentos expostos a seguir.

A inclusão é facultada aos Estados Membros do AVA: Entende a União que o Acordo de Valoração Aduaneira permite aos Estados Membros a inclusão ou exclusão, no valor aduaneiro, dos gastos com carregamento, descarregamento e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de importação. De acordo com este entendimento, o Brasil optou por incluir tal despesa (capatazia) no valor aduaneiro das mercadorias importadas, o que supostamente lhe é facultado. Ocorre que, com uma simples leitura do AVA, verifica-se que é facultado aos países a inclusão dos valores incorridos com tais despesas até a chegada ao porto ou recinto alfandegado de descarga, sendo certo que a capatazia, por ocorrer após a chegada do navio ao porto, não deve ser incluída no valor aduaneiro, em respeito ao disposto no acordo internacional. Tal tese defendida pela União é contrária às disposições legais, sendo claro o artigo 8º do AVA que dispõe, em seu item 4, que nenhum acréscimo além daqueles previstos no acordo será feito ao preço efetivamente pago ou a pagar.

Além disso, a União, defendendo a legalidade da IN SRF nº 327/2003, baseia-se no argumento pelo qual, caso “descarga e manuseio” não ocorressem em território nacional, não haveria necessidade de inclusão de tais expressões na normativa internacional. Ocorre que durante o transporte internacional podem acontecer tais operações que, inclusive, devem ser computadas no valor aduaneiro. Limitando-se tal inclusão, no entanto, até o momento da chegada do navio ao porto de destino, o que independe do desembarque da mercadoria no território nacional.

De acordo com o artigo 40, §1º, I da Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), capatazia é definida como a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto. Ou seja, tal atividade por óbvio ocorre após a chegada do navio, com as mercadorias em território nacional. Ao limitar as inclusões de despesas incorridas ATÉ a chegada do navio ao porto ou local de desembaraço, o AVA não permite o cômputo da capatazia no valor aduaneiro, sendo, portanto, ilegal o disposto na IN SRF nº 327/2003.

Não bastasse, é possível verificar que o Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), ao estabelecer as regras sobre a valoração aduaneira, jamais contemplou a possibilidade de que a capatazia fosse incluída no valor aduaneiro. É nítido, assim, que a Receita Federal extrapolou não somente as determinações do Acordo Internacional mas, também, da própria legislação interna.

Por fim, alega-se, em defesa à manutenção da capatazia no valor aduaneiro, que sua exclusão representaria tamanho impacto na macroeconomia do país, que não seria justificável. Tal argumento mostra-se absolutamente descabido, vez que a IN SRF nº 327/2003 prevê inclusão ilegal e extrapolou o contido em acordo internacional do qual o Brasil é signatário, não merecendo qualquer respaldo pelo argumento baseado na situação econômica do país. Afinal, não pode o importador arcar com o ônus da ilegalidade tão somente pela possibilidade de prejudicar o caixa da União Federal.

Verifica-se, portanto, a fragilidade dos argumentos que embasam as teses de defesa à manutenção da capatazia no valor aduaneiro das mercadorias importadas, motivo pelo qual há farta jurisprudência em sentido contrário. Desta forma, conforme já discorrido, para garantir a exclusão desta despesa do valor aduaneiro e reduzir impacto tributário na importação de mercadorias, é necessária decisão judicial que a confira, motivo pelo qual os importadores interessados devem ingressar com ação judicial, vez que a legislação não fora alterada, permanece em vigor e há majoritário entendimento nesse sentido.

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