Medida Provisória nº 794/17, 1% adicional à Cofins-Importação e o princípio da anterioridade.

Autor:
DIEGO LUIZ SILVA JOAQUIM
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No último dia 09, o Governo Brasileiro surpreendeu as empresas importadoras com a publicação no Diário Oficial da União, valendo-se de Edição Extra, da Medida Provisória nº 794 que, dentre outras disposições, revogou a Medida Provisória nº 774/ 2017.

A questão gira em torno do ponto percentual acrescido às alíquotas de Cofins-Importação na hipótese de determinados bens, conforme estabelece o §21 do artigo 8º da Lei nº 10.865/2004¹.

A MP nº 774 havia sido publicada no dia 30 de março de 2017 e, nos termos de seu artigo 2º, revogou o referido parágrafo 21, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do quarto mês subsequente ao da publicação. Em outras palavras, a citada Medida retirou 1% da carga tributária da Cofins incidente na importação das mercadorias relacionadas no Anexo I da Lei nº 12.546/2011, a partir do dia 1º de julho de 2017.

Pois bem, a Constituição Federal estabelece que o Presidente da República pode, em caso de relevância e urgência, adotar Medida Provisória, com força de lei, e sendo obrigado a submetê-la ao Congresso Nacional no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias de sua publicação sob pena de perder sua eficácia – em se tratando da Medida Provisória nº 774, esse prazo encerrar-se-ia no dia 10/08/2017.

Nesse contexto, o Exmo. Sr. Presidente da República publicou a Medida Provisória nº 794, no dia 09 de agosto, com vigência a partir da sua publicação, o que fez os importadores sofrerem o imediato aumento da Cofins-Importação.

Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, é permitido que Medida Provisória seja revogada por outro ato normativo da mesma espécie, sendo que aquela revogada ficará com sua efetividade suspensa até que o Legislativo se manifeste acerca da norma revogadora. Nesse sentido, ensinam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino no livro “Direito Constitucional descomplicado”:

“Se, por um lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite que medida provisória submetida ao Congresso Nacional seja retirada pelo Chefe do Executivo, por outro lado, aceita o Tribunal que medida provisória nessa situação seja revogada por outro ato normativo da mesma espécie.
Em tal hipótese – quando medida provisória ainda pendente de apreciação pelo Congresso nacional é revogada por outra – ficará suspensa a eficácia daquela que foi objeto de revogação, até que haja pronunciamento do Poder Legislativo sobre a medida provisória revogadora. Posteriormente, na apreciação da medida provisória revogadora, se esta for convertida em lei, tornará definitiva a revogação; se não o for, retomará os seus efeitos a medida provisória que houvera sido objeto de revogação pelo período que ainda lhe restava para vigorar”²

Tais ensinamentos acompanham a decisão proferida pelo Tribunal Pleno da Corte Suprema na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 1.659 MC, que decidiu sobre a Medida Provisória 1.523-13/97, julgado no dia 27/11/1997, com a seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Medida liminar. – Já se firmou a jurisprudência desta Corte (assim, nas ADIMCs 1204, 1370 e 1636) no sentido de que, quando Medida Provisória ainda pendente de apreciação pelo Congresso Nacional é revogada por outra, fica suspensa a eficácia da que foi objeto de revogação até que haja pronunciamento do Poder Legislativo sobre a Medida Provisória revogadora, a qual, se convertida em lei, tornará definitiva a revogação; se não o for, retomará os seus efeitos a Medida Provisória revogada pelo período que ainda lhe restava para vigorar. – Relevância da fundamentação jurídica da argüição de inconstitucionalidade do § 2º do artigo 22 da Lei 8.212/91 na redação dada pela Medida Provisória 1.523-13 e mantida pela Medida Provisória 1.596-14. Ocorrência do requisito da conveniência da suspensão de sua eficácia. Suspensão do processo desta ação quanto às alíneas “d” e “e” do § 9º do artigo 28 da Lei 8.212/91 na redação mantida pela Medida Provisória 1.523-13, de 23.10.97. Liminar deferida para suspender a eficácia “ex nunc”, do § 2º do artigo 22 da mesma Lei na redação dada pela Medida Provisória 1.596-14, de 10.11.97.”

Desse modo, seguindo o entendimento jurisprudencial do STF, a MP nº 774/17 ficará com sua eficácia suspensa até que o Poder Legislativo se manifeste acerca da MP nº 794/17 que a revogou. Na prática, a suspensão da eficácia resulta, imediatamente, nos mesmos efeitos da revogação, fazendo com que o adicional de 1% da Cofins-Importação seja aplicável.

Entendemos, no entanto, que a MP nº 794, por meio de sucessivas revogações, reinstituiu tributo aos importadores e deixou de observar o princípio da anterioridade estabelecido pelo artigo 195, §6º e, também, o prazo do artigo 62, §2º ambos da CF. O §6º do artigo 195 descreve que “as contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b”, enquanto o artigo 62, §2º prevê que a “Medida Provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”.

A medida provisória é instrumento normativo possível para a instituição ou majoração de tributos em geral – ainda que o texto constitucional fale em “impostos”, estes devem ser vistos no sentido amplo. Ora, a leitura negativa do referido dispositivo também deve ocorrer, sendo que a revogação ou redução de tributos pode ser através de Medida Provisória e assim o fez a MP nº 794 quando, por meio de revogação, reinstituiu a cobrança de tributo.

Nesse sentido, haveria que se observar o princípio da anterioridade nonagesimal estabelecida no artigo 195, §6º da CF ou, sob outro prisma, o prazo estabelecido pelo artigo 62, §2º, pois não pode o contribuinte importador ser submetido à insegurança jurídica quanto à suas operações de importação com – ou sem – a incidência de 1% adicional da Cofins.

Tal entendimento, inclusive, segue decisão proferida pelo STF no AgRg no RExt nº 286.292-4, que merece destaque para o voto do eminente relator Ministro Gilmar Mendes:

“A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à possibilidade de instituição e majoração de tributos por meio de medida provisória e, também, quanto ao início do prazo nonagesimal previsto no art. 195, §6º, da Constituição Federal, a partir da data de publicação da primeira medida provisória que, se não apreciada pelo Congresso nacional, mas reeditada por nova medida provisória dentro de seu prazo de validade de trinta dias, não perde a eficácia (RE nºs 169.740/PR, D.J. de 17.11.95; 197.790/MG, D.J. de 21.11.97; 181.664/RS, D.J. 19.12.97; 232.896/PA, D.J. de 1º.10.99; 242.905/RO, D.J. de 1º.10.99; 273.076/RN, D.J. de 2.2.01, dentre outros).”

Desse modo, em que pese nossa recomendação seja para que as empresas efetuem o pagamento do COFINS com o adicional de 1% em suas importações, entendemos que a Medida Provisória nº 794, publicada no Diário Oficial dia 09/08/2017, reinstitui de forma indireta a cobrança de tributos e, ainda que possa ser feita por Medida Provisória, esta deveria observar o princípio constitucional da anterioridade ou, como se referem alguns doutrinadores, da não surpresa dos contribuintes sob pena de restar flagrante ofensa aos princípios constitucionais. Há, portanto, possibilidades jurídicas para que seja assegurado tal direito via medida judicial.

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¹“§21 – As alíquotas da Cofins-Importação de que trata este artigo ficam acrescidas de um ponto percentual na hipótese de importação dos bens classificados na Tipi, aprovada pelo Decreto no 7.660, de 23 de dezembro de 2011, relacionados no Anexo I da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011”

²Direito Constitucional descomplicado / Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino. – 16. ed. rev., atual. e ampl. – Ed. Método, 2017, pág. 550.

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