Discussões sobre Valoração Aduaneira: Subvaloração x Subfaturamento

Foto Discussões sobre Valoração Aduaneira: Subvaloração x Subfaturamento

por Gabriela Cardoso Tiussi

Muitas são as controversas envolvidas com a Valoração Aduaneira das mercadorias no Brasil, que já foram discutidas por esta autora em outras oportunidades. Por este motivo, são comuns autuações por parte da autoridade aduaneira em relação ao preço das mercadorias importadas, sendo comum também a verificação da confusão com os institutos da subvaloração e do subfaturamento, o que muitas vezes acaba por tornar insubsistentes os autos de infração.

Por tal motivo, com este artigo se busca tecer breves considerações sobre o tema e sua peculiaridade, de maneira a explicitar a diferença entre a subvaloração e o subfaturamento nas importações no Brasil.

1. Valoração Aduaneira

O valor aduaneiro é o instituto que identifica a base de cálculo do imposto de importação e, por consequência, tem reflexos em outros tributos incidentes nas operações de importação.

No Brasil, a valoração aduaneira encontra-se disciplinada pelo Regulamento Aduaneiro, em seus artigos 76 a 89, que consolidam as disposições do Artigo VII do Acordo Geral de Tarifas e Comércio – GATT (Acordo de Valoração Aduaneira ­ AVA), aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30/1994 e promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994. Complementam as disposições do AVA as Notas explicativas, Comentários, Opiniões Consultivas, Estudos e Estudos de Caso emanados do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira da Organização Mundial de Aduanas – OMA aprovados, conforme previsto pela Instrução Normativas SRF nº 318/2003.

De acordo com o disposto no AVA, o valor aduaneiro deve ser apurado mediante a aplicação subsequente de seis métodos de valoração, quais sejam:

1º Método – método do valor da transação;
2º Método – método do valor de transação de mercadorias idênticas;
3º Método – método do valor de transação de mercadorias similares;
4º Método – método do valor de revenda (ou método do valor dedutivo);
5º Método – método do custo de produção (ou método do valor computado);
6º Método – método do último recurso (ou método pelo critério da razoabilidade).

O primeiro método é o comumente utilizado nas importações e devem ser acrescidos ao valor da transação os custos com transporte e seguro (Valor CIF), além dos custos incorridos com carga, descarga e manuseio das mercadorias, associados ao transporte – apesar de tal inclusão ser ilegal e da existência de discussões na esfera judicial. Apenas na impossibilidade de utilização do método primeiro, como no caso de vinculação entre importador e exportador, por exemplo, é que deve ser utilizado o segundo método e assim por diante até que em última hipótese deve ser arbitrado o valor aduaneiro, caso nenhuma das alternativas anteriores seja viável.

O controle do valor aduaneiro é exercido pela Receita Federal e na Instrução Normativa 327/2003 estão contidos os procedimentos para declaração do valor e referido controle, sendo de acordo com o artigo 38 da referida IN, tais disposições não se aplicam aos casos em que se verifique elemento indiciário de fraude, sonegação ou conluio, envolvendo o valor aduaneiro declarado. Nesta hipótese, devem ser adotados pela autoridade aduaneira os procedimentos especiais tratados a seguir.

Por fim, se constatada divergência entre o valor aduaneiro declarado pelo importador e o efetivamente praticado na importação, o valor aduaneiro deverá ser ajustado e será cobrada além da diferença de tributos e juros, multa moratória de 100% (cem por cento) sobre a diferença de preços e multa de ofício equivalente a 75% (setenta e cinco por cento) sobre a diferença de tributos que deixaram de ser recolhidos.

2. Subfaturamento

Quando há suspeitas de irregularidades puníveis com o perdimento das mercadorias, deve ser instaurado procedimento especial de controle aduaneiro na importação ou exportação, nos moldes dispostos na Instrução Normativa RFB 1.169/2009. De acordo com o disposto nesta IN, tais irregularidades correspondem, dentre outras hipóteses, a suspeitas quanto à falsidade material ou ideológica de qualquer documento apresentado no curso do despacho de importação ou exportação; falsa declaração de conteúdo; ocultação do sujeito passivo, real vendedor, comprador ou responsável pela operação mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros, dentre outros.

Ocorre que o Decreto Lei 37/66, em seu artigo 105, elenca taxativamente as infrações puníveis com o perdimento, sendo que o subfaturamento – considerando-o tão somente como a divergência entre os valores efetivamente praticados e aqueles declarados – não está dentre o rol de infrações ali contidas.

O subfaturamento, por sua vez, resumidamente consiste na inserção de informações que não refletem a realidade nos documentos instrutivos das operações de importação e exportação, especificamente com relação a redução do valor da operação. Ou seja, é verificado quando o preço efetivamente pago pelas mercadorias é superior ao constante nos documentos que ampararam a operação.

O inciso VI do artigo mencionado dispõe que é punível com o perdimento a mercadoria estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, quando qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado. Há discussão, portanto, sobre a punição com o perdimento da mercadoria em decorrência de inserção de informação que não condiz com a realidade em documento instrutivo do despacho aduaneiro.

A declaração de valor diverso do que foi efetivamente pago faz com que a base de cálculo dos tributos seja reduzida e, consequentemente, os recolhimentos também. Nestes casos, além da afronta ao controle tributário, se impossibilita a efetivação do devido controle aduaneiro. Por fim, a prática de subfaturamento representa também afronta a livre concorrência, controle cambial e até mesmo a evasão de divisas, visto que a remessa de valores não é feita mediante a devida prestação de informações à Fazenda Nacional.

No entanto, para que seja caracterizado o subfaturamento punível com o perdimento, a fiscalização deve lograr êxito na comprovação da ocorrência da infração, não se admitindo sua presunção. Tal comprovação pode ser feita por meio da apresentação da documentação original, por exemplo, ou qualquer outro documento que comprove os valores praticados na operação, como ordem de compra ou fatura proforma.

A falsidade ideológica se traduz no ato de inserir informação falsa em documentação que ampara a importação. Ou seja, o documento é materialmente verdadeiro, no entanto a informação nele contida não condiz com a realidade. É o caso, por exemplo, de fazer constar na fatura comercial valor de venda abaixo do que fora praticado na realidade.

Por outro lado, a falsidade material consiste na adulteração do documento. Ou seja, é o caso da falsificação da forma do documento em seu aspecto material. Como exemplo, temos o caso do importador que adultera a fatura comercial enviada pelo exportador ou que substitui tal documento por um documento falso.

Para a caracterização do subfaturamento, é necessário, portanto, que reste configurada a ocorrência de fraude, sonegação ou conluio.

A depender do caso, a ocorrência da infração pode culminar na penalidade de multas, perdimento ou até mesmo representação fiscal para fins penais.

3. Jurisprudência Administrativa

Há decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF que reformam as decisões em sede de Recurso Voluntário para afastar a caracterização, como subfaturamento, de condutas que traduzem em verdade subvaloração:

VALORAÇÃO ADUANEIRA. SUBVALORAÇÃO. SUBFATURAMENTO. MULTA 100%, MP 2.158-35/2001. MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA. DESCABIMENTO.
Há, em relação à valoração aduaneira, duas espécies infracionais: Subvaloração e Subfaturamento, cada qual com sua particularidade, destacando-se o fato de que, diversamente do subfaturamento, na subvaloração não se verifica a presença de fraude, sonegação ou conluio, sujeitas, portanto, a sanções distintas.
Não se configura o subfaturamento do valor da transação quando a fiscalização deixa de aduzir aos autos provas de que o valor aduaneiro indicado na fatura e declarado ao órgão aduaneiro não representa o preço efetivamente pago pelas mercadorias importadas.
Para a aplicação da multa do art. 88, parágrafo único, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, há que se ter configurada a ocorrência de fraude, sonegação ou conluio, isto é, há que se caracterizar o subfaturamento (diferente de subvaloração), o que não se identifica nos autos.

Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário
Exercício: 2003
VALORAÇÃO ADUANEIRA. DESQUALIFICAÇÃO DO 1º MÉTODO DO AVA. INDÍCIOS. NÃO CONFIGURADOS
Para a desqualificação do 1º método de valoração previsto do Acordo de Valoração Aduaneira – AVA, não aceitando o valor de transação declarado pelo importador, a fiscalização deve demonstrar os indícios previstos no art. 82, incisos I e II, do Decreto nº 4.543/02 (RA). Recurso Voluntário Provido. (Número do Processo: 11131.000969/2006-13, Nº Acórdão 3301-003.980)

TRIBUTOS ADUANEIROS. BASE DE CÁLCULO. FRAUDE DE VALOR. SUBFATURAMENTO. SUBVALORAÇÃO. DIFERENCIAÇÃO.
Nos casos de fraude de valor, não há subvaloração, mas subfaturamento, que se diferencia da primeira em razão da ilicitude da conduta do importador. O subfaturamento ocorre quando o importador registra a declaração de importação (DI) tendo por base um fatura comercial que não reflete o preço realmente pago pelo produto importado. Essa discrepância pode resultar da falsificação da fatura, mediante apresentação de versão não verdadeira substitutiva da fatura genuína ou por alteração do documento verdadeiro (falsidade material). Também pode ocorrer quando, mediante conluio entre importador e exportação, emite-se uma fatura verdadeira, porém, com valores menores que os efetivamente praticados (falsidade ideológica). Não se confunde com a subvaloração, que constitui a aplicação indevida de um dos métodos de valoração aduaneira do AVA/Gatt, sem a ocorrência de fraude (Opinião Consultiva nº 10.1, do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira).
FALSIDADE MATERIAL. NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE PROVAS DE ADULTERAÇÃO. ALEGAÇÃO DE PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE NÃO ESSENCIAL.
A ausência de elementos que demonstrem com segurança a adulteração do documento, associada à simples alegação de preterição de formalidade não essencial (RA/2009, o art. 557), são insuficientes para se concluir pela falsidade material da fatura comercial.
FALSIDADE IDEOLÓGICA. PROVA DE VENDA ABAIXO DO PREÇO DE CUSTO. AUSÊNCIA DE PROVAS DO PREÇO EFETIVAMENTE PRATICADO. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
A simples comprovação da venda com prejuízo é insuficiente para se concluir pela falsidade ideológica da fatura. Exige-se a demonstração de que o preço declarado pelo importador na DI foi diferente do efetivamente praticado na operação, o que pode ocorrer por qualquer meio de prova, desde a realização de pagamentos em paralelo (“por fora”), ordens de compra, faturas proforma, documentos financeiros, comprovantes de operações bancárias, até mesmo registros internos de controle paralelo de pagamentos. Do contrário, não há como se diferenciar uma fraude de valor de uma simples venda com custo reduzido, sobretudo nos casos entre partes relacionadas. Desapareceria a diferença entre o subfaturamento e o subvaloração, implicando a atribuição do mesmo tratamento jurídico à operações lícitas e ilícitas. (Número do Processo 10909.720986/2014-71, Nº Acórdão 3802-004.098).

4. Conclusão

Verifica-se que comumente são lavrados autos de infração configurando como subfaturamento condutas tidas como, em verdade, subvaloração. Ou até mesmo nos casos em que o importador comprova a legitimidade dos valores praticados na operação mediante apresentação de ordens de compra, faturas comerciais, comprovantes de pagamento e outros, no entanto, quando tal preço é inferior ao comumente praticado nas importações, inúmeros são os casos de lavratura de autos de infração – muitas vezes sem a aplicação subsequente dos métodos de valoração -, hipóteses nas quais deve haver o devido combate ao entendimento do fisco.

Fora verificado que enquanto o subfaturamento decorre do ilícito havido ao se registrar Declaração de Importação que tem por base fatura comercial que não reflete o preço efetivamente pago pela mercadoria (seja por apresentação de versão falsificada ou substitutiva do documento; seja inserção de valores artificiais mediante conluio entre importador e exportador), a subvaloração não decorre de fraude sonegação ou conluio, sujeita a penalidades distintas.

Portanto, é imprescindível que a fiscalização durante as atividades de apuração e investigação da conduta dos importadores e exportadores promova a subsunção dos fatos ao devido enquadramento da infração, especialmente nos casos de subvaloração ou subfaturamento, eis que reportam-se a diferentes dispositivos normativos e possuem diferentes sanções.

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